A vida fora da tela

10/05/2016

Por Carol Bensimon

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Foto: Dirk Marwede

Estou lendo Romance moderno, de Aziz Ansari, um livro que se propõe a falar sobre relacionamentos na era digital. Não sei se gosto dos toques engraçadinhos de Ansari (o cara é comediante, eu ia esperar o quê?), mas os temas que ele toca e os dados que coletou são interessantíssimos. Por exemplo: eles -- Ansari e o sociólogo Eric Klinenberg -- pegam um grupo de pessoas e os separam por geração, filhos à esquerda, pais à direita. Querem começar uma discussão sobre relacionamentos, sobre como aquela gente conheceu seus namorados, namoradas, maridos, esposas, mas, antes de o assunto sério ter início, algo revelador acontece. No grupo dos pais, o papo rola solto. No grupo dos jovens, cada um está abduzido pela tela de seu celular. “Isso me fez pensar se nossa habilidade e nosso desejo de interagir com estranhos não seria [um] músculo que corre o risco de atrofiar no mundo do smartphone”, escreve.

A ideia de que estamos perdendo a habilidade de lidar com o mundo real é tão verdadeira quanto assustadora. Por “mundo real”, estou entendendo qualquer atividade offline, que contempla desde a interação com estranhos na frente de casa até o plantio de uma muda de rosinha-de-sol. Isto é, toda a existência até meados dos anos noventa. Para alguns, trata-se de uma mudança de hábito perfeitamente aceitável, e seria estúpido tenta resistir a ela. Para outros, há um certo desejo de resistência -- ainda que poucas dessas pessoas estejam interessadas em abdicar completamente da tecnologia. De qualquer maneira, me parece que o natural é estarmos conectados a toda hora; trocar mensagens, procurar músicas em algum serviço de streaming, consultar avaliações sobre um restaurante antes de decidir experimentá-lo. Isso quer dizer que fazer algo diferente disso requer algum esforço de nossa parte. Segundo Ansari, o norte-americano passa em média sete horas e meia por dia diante de uma tela. Em países emergentes como Brasil e China, esse tempo é ainda maior.

Eu estou. Digo, tentando aumentar o tempo de vida offline, embora me sinta um pouco ridícula ao perceber a dose de consciência e de não-naturalidade que precisa ser empregada nisso.

Algum tempo atrás, escrevi nesse espaço que a literatura era a maior das transgressões do mundo contemporâneo porque parecia um dedo médio erguido para a velocidade absurda das coisas. Em um mundo em que as pessoas não conseguem se concentrar em uma mesma atividade por mais de quinze minutos, sentar para ler um romance é com certeza um ato de resistência. E escrevê-lo, mais ainda.

Para quem quer aumentar o tempo de sua vida offline, eu digo: leia. Leia sozinho na sua poltrona, mas não só isso (embora isso já seja incrível o suficiente). Tente evitar que aquele músculo da interação com estranhos -- no mundo real -- se atrofie. Vá a clubes de leitura e compartilhe suas experiências. Tem um monte deles pipocando por aí. Faça um clube de leitura com os amigos. Ok, não serão estranhos, mas encontrar amigos pessoalmente talvez seja algo que precisamos exercitar mais também.

Vocês conhecem a TAG, um clube de assinatura de livros? Você se associa e recebe na sua casa um livro por mês. Um livro surpresa, escolhido pelo curador do mês. E, aqui em Porto Alegre, estão rolando encontros para discutir esses livros na Casamundi Cultura. Custa menos que um ingresso de cinema e ainda exercita o tal do músculo da interação com estranhos.

É só um exemplo. Jardinagem. Desenho. Violão. Caminhada. Discos.

Cozinhe. Vai perder tempo? Vai. Mais tempo do que pedir comida pelo telefone? Aham. O que é perder tempo? Como se pode medir perdas e ganhos quando se trata de tempo? E, me diga, nós estamos salvando minutos para que mesmo?

 

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Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Carol Bensimon

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