Addie & Louis

11/07/2017

“Deixa eu te contar a ideia que tenho para um conto/romance.”

Já ouvi essa frase dezenas de vezes, e confesso que nunca soube muito bem como reagir. Não acho que ideias valham grande coisa. Mês passado, li Romancista como vocação, do Murakami, e tive que sorrir aliviada ao me deparar com esse trecho: “quando entrevistou Albert Einstein, o poeta Paul Valéry perguntou ‘O senhor está sempre com um caderno para anotar suas ideias?’ Einstein se mostrou verdadeiramente assustado e respondeu com calma: ‘Não, não preciso disso. Quase nunca tenho ideias.’

Não posso falar sobre o campo da Física, mas, no contexto da escrita de ficção, me parece que esses disparadores são uma parte mínima do processo mesmo; para que uma ideia geral de história dê origem a um bom texto, é preciso um milhão de outras pequenas ideias encadeadas de forma satisfatória. Essas ideias pequeninhas – há um cesto de detalhes dentro da nossa cabeça sendo eternamente chacoalhado – costumam surgir no caminho, quando a gente se debruça com vontade sobre a ideia “maior”. Qualquer informação coletada ao longo da vida (sobre calças boca de sino, arruelas ou brigas tragicômicas entre namorados) pode ser bem importante nesse momento. Vá saber o que será preciso usar.

Como eu estou dizendo, portanto, não acredito em ideias brilhantes sem trabalho minucioso, e tampouco acho que a premissa “todas as histórias já foram escritas” deve ser uma fonte infinita de angústia (nenhum livro é bom porque é original, ou apenas porque é original, e o que o torna único costuma ser menos sua premissa básica e mais esse acúmulo de pequenas ideias e imagens).

Dito isso, confesso sim que alguns livros já largam em vantagem porque tem um bom tema. É o caso de Nossas noites, o último romance de Kent Haruf (de quem admito nunca ter lido nada antes). Tema: amor não-convencional entre vizinhos de setenta e poucos anos. Addie Moore, viúva septuagenária, um dia faz uma visita a Louis Waters, seu vizinho, também viúvo. Addie se sente sozinha e é ousada o suficiente para fazer a Louis uma proposta: e que tal se eles passassem as noites juntos, conversando na escuridão do quarto, só para que aqueles momentos pareçam menos tristes e solitários? Então Louis começa a aparecer na casa de Addie com sua escova de dentes e seu pijama em um saco de papel pardo, entrando pela porta dos fundos. Eles vão se conhecendo aos poucos, descortinando fragmentos do passado. E a coisa toda se torna mais complexa com a chegada do neto de Addie, Jamie.  

Não há nada de particularmente encantador na prosa de Haruf, que parece seguir uma contenção à la Raymond Carver. No entanto, funciona. Os diálogos são simples e sem afetação, interrompidos com cortes secos no momento certo (acredito que não usar marcações para as falas faz toda diferença nesse livro, como se isso tirasse as conversas da zona da banalidade, mas posso estar exagerando). Há cenas muito bonitas, e minha preferida é de longe o momento em que eles assistem a uma partida de soft ball. Mesmo sem mergulhos profundos na psiquê das personagens, dá para sentir muita simpatia e compaixão durante toda a história de amor/amizade de Addie e Louis (e também raiva, quando outros membros da família são apresentados).

Será que a mão de Haruf pesou no final? Talvez não seja exatamente o desfecho que gostaríamos, mas é, sem dúvida, convincente, verossímil; parece que está dizendo, ao mesmo tempo, que nunca é tarde, e que sim, às vezes é tarde demais. Em todo o caso, chorei. 

* * * * *

Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

 

Carol Bensimon

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