Diários do isolamento #61: Jessé Andarilho

02/06/2020

Diários do isolamento

Dia 61

Jessé Andarilho

 

A palavra da moda hoje é negacionismo. Confesso que nos meus trinta e poucos anos eu nunca tinha ouvido falar dessa palavra em toda minha vida, até o ano passado.

Não sei se é porque eu ando por lugares onde as gírias são muito usadas, ou se é porque inventaram há pouco tempo essa palavra.

A questão é a seguinte: o uso dessa palavra é eficiente para descrever as ações de muita gente.

Vocês também ficam indignados quando as mortes aparecem, os números são divulgados e as pessoas teimam em usar argumentos baseados em fake news para tentar desqualificar as informações que a maioria de nós sabemos que são reais?

O Brasil é um dos países mais letais em relação a essa doença, e a situação se agrava a cada dia. Sabemos que na região periférica e nas favelas o número só vem aumentando.

Imagina só como é triste perder alguém da sua família, ou alguém que você ama e ainda ter que ouvir piadinhas de pessoas que são negacionistas.

É foda não poder sair pelas ruas por se enquadrar no grupo de risco. Ter medo da morte é comum entre pessoas que, assim como eu, estão enquadradas nesse risco diariamente.

A cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil. Ter a cor da minha pele é estar enquadrado no grupo de risco. Morar onde eu moro, usar as roupas que eu uso, falar como eu falo, ser quem eu sou me colocou nesse grupo a minha vida inteira.

Mas consegui contrariar as estatísticas e aqui estou. Vivendo e vivão. Mas confesso que foi difícil sobreviver esse tempo todo.

Foi foda ter que provar a inocência dos meus amigos mortos. Também tivemos que enterrar alguns com caixão fechado para não estragar o velório.

A ficção não chega nem perto da nossa realidade que até agora foi banalizada e negada pelas pessoas ditas de bem.

É desse negacionismo que estou falando. O racismo no Brasil é uma doença assassina, violenta e afeta a maioria dos brasileiros, já que somos mais de 54% da população.

Não seja negacionista. O racismo não é um problema só nosso. Precisamos que as pessoas brancas sejam antirracistas e reconheça que essa epidemia nos mata há muito tempo e que isso não pode mais acontecer.

Tá na hora da mudança. Faça parte disso. Vem para a luta. Compartilhe, siga e apoie as pessoas que estão de frente nesse movimento.

Tô vendo maior galera lutar contra o fascismo. Parabéns!

Também quero ver esse movimento todo na guerra contra o racismo.

#VidasNegrasImportam

***

Jessé Andarilho nasceu em 1981 e foi criado na favela de Antares, no Rio de Janeiro. Filho de vendedores ambulantes, trabalhou com diversas atividades na sua comunidade, até ler seu primeiro livro, aos 24 anos. Foi quando, no trajeto de aproximadamente três horas que fazia de trem de sua casa até o trabalho, passou a usar o bloco de notas do celular para contar histórias. Dessas anotações surgiu o romance Fiel, publicado pela Objetiva em 2014. Em 2015, foi convidado para integrar o grupo de redatores da novela Malhação, da TV Globo. Foi diretor de reportagem do programa Aglomerado, da TV Brasil, e produtor da Cufa – Central Única das Favelas. Fundou o C.R.I.A., Centro Revolucionário de Inovação e Arte, e o Marginow, com a proposta de dar visibilidade aos artistas da periferia. Em 2019, publicou, pela Alfaguara, seu segundo romance, Efetivo variável. Atualmente, Jessé Andarilho realiza palestras em todo o Brasil, contando um pouco da sua história e mostrando como sua vida foi transformada pela literatura.

 

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