O desafio Hilda Hilst

12/04/2017

Por Daniel Fuentes

Foto: Fernando Lemos

No dia 24 de abril chega às livrarias Da poesia, que reúne toda a obra poética de Hilda Hilst – incluindo textos inéditos. Este é o primeiro lançamento do projeto de relançamento dos livros da autora, que contará também com um volume dedicado à prosa em 2018. Grande parte deste projeto foi possível por conta do trabalho do Instituto Hilda Hilst, que preserva seus escritos e tem sua sede na Casa do Sol, local que também abriga artistas de todo o Brasil com seu programa de residência criativa. É de lá que saem textos, vídeos, áudios e imagens inéditas de uma das principais escritoras brasileiras do século XX.

No texto a seguir, Daniel Fuentes, presidente do IHH, conta como o instituto aproxima o leitor da obra de Hilda Hilst, e todas as maneiras que ele pode ter contato com a sua memória. 

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Aos 14 anos soube por meu pai, Jose Luis Mora Fuentes, grande amigo de Hilda Hilst, que ela havia decidido deixar para mim os direitos autorais de sua obra. Ela nunca conversou diretamente comigo sobre essa escolha ou o que a decisão significaria na minha vida, mas meu pai sempre me fez ter total consciência da importância daquele presente que, diferentemente de todos os outros que recebi dela – e foram muitos! –, vinha acompanhado de uma imensa responsabilidade. Aliás, ele mesmo ficou em dúvida se aquela era uma boa escolha, afinal, "não sabia se eu quando adulto não seria um maluco". Rimos, eu e ele, muitas vezes dessa insegurança sobre o que seria de mim adulto.

Quando Hilda morreu em 2004, os direitos vieram para mim, mas quem de fato cuidava deles e encabeçava a criação do Instituto Hilda Hilst (IHH) era meu pai. Os direitos eram a “parte fácil” do testamento, que trazia como foco das atenções uma dívida de IPTU milionária que ameaçava gravemente a existência futura da Casa do Sol, o grande ponto nevrálgico do legado. A obra podia ser melhor ou pior gerida, de forma mais ou menos eficiente, mas já estava lá, gigantesca, fundamental e pronta. A Casa não, se não fosse tratada com seriedade, sucumbiria à fortíssima especulação imobiliária do entorno.

Naquela época eu terminava minha graduação em Ciências Sociais, me metia a estudar cinema e abria uma produtora. O audiovisual estava na minha ordem do dia e o IHH era a do meu pai, restando a mim participar lateralmente de todo esse imbróglio, até então muito mais jurídico-contábil do que cultural.

Tudo mudou em 2009. Com a morte do meu pai, herdo a Casa do Sol junto com minha mãe, assumo a gestão dos direitos como um todo e escolho tornar esse universo – concentrado ao redor do Instituto Hilda Hilst – o assunto central da minha vida profissional.

Na época as dívidas estavam quase sendo sanadas e me restou apenas encerrar esse assunto para reiniciar a história do IHH, mergulhando na Casa do Sol como espaço de memória, criação e realização cultural. Foi uma fase de muito tatear no universo ao redor de Hilda e da Casa do Sol, sempre buscando, de um lado, alimentar a ampliação do acesso à obra e, de outro, buscando os meios de garantir o restauro e a preservação da Casa enquanto estrutura física, à época recém tombada pelo patrimônio histórico.

O IHH passou a ser então o catalisador de vida para a Casa do Sol. Muitos projetos se desenrolaram a partir daí. Levamos para dentro da Casa o teatro e a música, e acho que Hilda teria gostado de ver A Obscena Senhora D em sua sala, ou O Osmo no pátio em sessões para mais de 100 espectadores – e alguns cães – vidrados no denso trabalho de Donizete Mazonas. Também ficaria emocionada com Cida Moreira ecoando pela mesma sala, rodeada dos mesmos cães, com “The Man I Love”, música de Billie Holiday que era uma das suas preferidas.

O cinema também se fez presente, principalmente com o filme de Gabriela Greeb que em breve estará nos cinemas. Hilda Hilst Pede Contato trouxe de volta a Hilda em carne e osso para a Casa, com uma deslumbrante interpretação de Luciana Domschke. Acompanhar as filmagens foi como uma vitória sobre a morte.

Muita vida também se deu a partir da criação do nosso Programa de Residência, idealizado para manter na Casa o espírito de porto seguro para a criação e o questionamento. Foi assim nos anos 1960 e 1970, com o Caio Fernando Abreu, por exemplo, e continua sendo com nossos mais de 200 residentes que, ao longo dos últimos quatro anos, vieram de todo o Brasil (e até do exterior) produzir imersos nesse ambiente, seja sob a Figueira centenária ou entre os papéis de nosso acervo, povoados de pérolas e pistas sobre o processo criativo de Hilda.

Pistas que hoje estão sendo organizadas e digitalizadas na Sala de Memória Casa do Sol, o coração do instituto que abriga e preserva o acervo pessoal de Hilda e de outros que fazem parte da nossa memória. E a cada dia descobrimos novas pérolas! Poemas inéditos, desenhos, cartas, manuscritos e toda a marginália que transforma a nossa biblioteca em um tesouro ainda inexplorado.

Não consigo imaginar uma herança mais rica do que essa! Nem um prazer maior do que ver esse tesouro gradativamente saindo das caixas-arquivo e prateleiras do nosso acervo e se tornando público, possibilitando realizações como o livro Da poesia, que a Companhia das Letras lança com magistral trabalho editorial, ou então o “Clube Obscena Lucidez”, nossa mais recente iniciativa que busca aliar democratização de acesso à obra de Hilda e preservação do próprio acervo, criando uma ligação direta entre leitores e a preservação deste patrimônio cultural.

Aliás, para quem quiser apoiar a preservação da Casa do Sol e de todo este legado, o melhor caminho é mesmo pelo “Clube Obscena Lucidez”, uma espécie de clube de assinaturas do Instituto Hilda Hilst em que a pessoa se associa e, todo mês, recebe reproduções exclusivas do nosso acervo, além de outros objetos. Este mês, como não poderia deixar de ser, levaremos aos nossos associados uma caixa repleta de pérolas e, entre elas, o livro Da poesia, reunião da obra poética da autora engrandecida com poemas nunca antes publicados e descobertos em “nossas caixas-arquivo”.

Encerro agradecendo a oportunidade de conversar com os leitores deste blog da Companhia e convidando todxs a mergulhar na obra de Hilda pelos infinitos caminhos possíveis, inclusive através de nosso site ou nossa página no Facebook, ambos sempre repletos de vida e poesia!

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Poema de Hilda Hilst escrito em 1988 para Daniel Fuentes:

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Daniel Fuentes é Presidente do Instituto Hilda Hilst. O livro Da poesia chega às livrarias no dia 24 de abril. 

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