O guia literário definitivo para o acasalamento

01/03/2018

No último dia 14 de fevereiro, dia internacional dos namorados, dos presentinhos fofos e dos cartões da Hallmark, exceto no Brasil, li no jornal uma notícia que me deixou perplexo: uma pesquisa tinha descoberto que as pessoas mentem sobre suas preferências literárias para ter maior eficácia no acasalamento. Segundo o artigo, “estudos científicos e psicológicos demonstraram que quem lê com frequência é mais atrativo e os aplicativos para paquerar confirmam: os usuários que publicam nos perfis suas preferências sobre livros recebem mais mensagens. Porém, de acordo com dados corroborados, as pessoas têm uma tendência a mentir sobre as preferências literárias para impressionar”.

Para falar a verdade, achei maravilhoso que as pessoas ainda acreditem que ler é sexy. Eu estou casado, tenho dois filhos e estou bastante enferrujado na arte de paquerar. Nos meus tempos, não lembro de ter mentido ativamente sobre literatura, mas com certeza falei para alguma moça que eu adorava aquele livro favorito dela quando eu nunca tinha ouvido falar dele. Pensando na felicidade alheia, rapidamente organizei uma pesquisa em minha conta de Twitter para determinar, com certeza científica, quais são os autores que têm maior eficácia para o acasalamento. Publiquei várias perguntas para escolher entre vários autores aquele que funcionava melhor na paquera. Eis os resultados.

1. Dostoiévski
Bateu por uma grande diferença (58%) a Tolstói (34%) e Gógol (8%). Em linhas gerais, isso quer dizer que uma pessoa atormentada é mais sexy que uma mística ou grotesca. Eu concordo. No curto prazo. O longo prazo já é outra coisa: as três opções são péssimas. Mas uma pessoa ligeiramente louca, ligeiramente infeliz, que faz uma bela performance dramática diante de uma taça de vinho, com certeza tem boas chances de vitória no escurinho.

2. Fitzgerald
Ganhou tranquilo (53%) do Faulkner (26%) e Capote (21%). Lógico. O Francis Scott escreveu O grande Gatsby, que deve ser, com certeza, um dos livros mais sexys da história da literatura. Olhem só o comecinho: “Quando eu era mais jovem e mais vulnerável, meu pai me deu um conselho que muitas vezes volta à minha mente: sempre que tiver vontade de criticar alguém – recomendou-me –, lembre primeiro que nem todas as pessoas do mundo tiveram as vantagens que você teve”. Já imaginaram falar alguma coisa parecida num boteco às duas da madrugada? A outra pessoa vai imaginar que você é: sensível, empático, compassivo e… rico! Além do mais, tem uma coisa mais sexy que os anos vinte do século vinte? Não tem, não.

3. Virginia Woolf
Foi a grande sensação da pesquisa (41%), batendo o James Joyce (31%) e o Proust (28%). Ela merece. Libertou a gente da sintaxe, da lógica narrativa e da intriga do enredo. Fez que o fluxo da consciência virasse grande literatura. Mas me pergunto: será que falar o que der na telha é uma estratégia eficaz pro acasalamento? Por acaso você só tem pensamentos bonitos, interessantes, emotivos etc.? Difícil, né? Vou colocar como exemplo o que está passando pela minha mente agora: “tem que comprar leite o café vai acabar também o Barça joga amanhã esqueci de ligar pra minha mãe responder o e-mail da minha agente lavar a louça e preparar sopa pro jantar os meus filhos estão quase chegando e ainda não terminei essa coluna porra”. Sendo honesto e autocrítico, acredito que ninguém, no mundo inteiro, responderia ao fluxo de minha consciência com a seguinte insinuação: “vamos tomar uma cerveja no meu apê?”.

4. García Márquez
Venceu por goleada (69%) o Vargas Llosa (19%). Têm várias interpretações interessantes aqui, inclusive políticas. Primeiro: as pessoas acham mais sexy uma pessoa de esquerda que uma de direita. Eu sei, ditadura cubana não é sexy (García Márquez foi um grande amigo de Fidel), mas com mojitos a gente esquece. Não estamos falando da efetividade dos sistemas políticos, só de acasalamento, e, vamos ser honestos, quem quer aguentar um(a) chatonildo(a) que defende o livre comércio e reclama o tempo todo dos impostos? A pessoa de esquerda, no entanto, fica na fraternidade, na igualdade, o que bate muito bem com o amor, a cachaça e outras substâncias recreativas.

Em termos estéticos, o pessoal está achando que o realismo mágico é mais efetivo pro acasalamento que o realismo da realidade. Normal. Você já pensou quem iria para a cama com você se falar que, se tudo der “certo”, daqui a uns anos, em vez de brejas no boteco vai ter um bebê chorando e um vizinho do condomínio gritando: “porra, eu tenho que acordar cedo amanhã!”. Melhor contar histórias de mulheres com asas de borboleta.

5. Borges
Também ganhou por goleada (61%) do Rulfo (29%) e do Onetti (10%). Gostaria de dedicar umas linhas para aqueles 10% (24 coitados e coitadas) que acham que dá para paquerar com a obra de Onetti. Que é isso, meu? Nos livros do Onetti só tem pessoas infelizes e prostitutas. Eu adoro o Onetti, é um dos meus escritores favoritos, mas ele é ótimo para outro tipo de situações (adolescência atormentada, crise existencial, divórcio, problemas com o álcool e drogas). Fiquei muito doído com essa vitória do Borges (argentino) sobre o Rulfo (mexicano). Que é isso? Copa do mundo? Porra. Rulfo é da minha terra (Jalisco), e é um escritor rural (eu cresci numa cidadezinha do interior com muitas vacas e campos de milho). Borges não só é argentino, não. Ele é anglófilo e erudito. Era uma batalha perdida se pensarmos no que aconteceria numa boate de madrugada. Mas eu fico abismado pensando que o pessoal acredita que a arrogância cínica e erudita é uma boa estratégia para começar um namoro. Tudo bem se os dois forem argentinos. Aí sim.

6. Alejandra Pizarnik
Ai, meu deus: outra argentina. E, que triste, ganhou sem problemas (63%) da Clarice Lispector (37%). Acredito que a gente está muito ciente de que paquerar bem só é possível bêbado. Ou meio bêbado. Vamos imaginar a cena. Façam o esforço. Num barzinho descolado uma pessoa se aproxima de você e começa a bater um papo assim, tipo:

Não sei sobre pássaros,

Não conheço a história do fogo.

Mas creio que minha solidão deveria ter asas *

Duas perguntas são pertinentes neste momento. Primeira: quanto a pessoa em questão deveria ter bebido para se atrever a declamar o poema? Segunda: quanto você deveria ter bebido para cair loucamente apaixonado(a) ao ouvir essas palavras? O que me leva à seguinte conclusão: literatura e amor são coisa de doidos. No final das contas, o importante é ler (inclusive se não for sexy). E namorar (inclusive se você não gostar de ler).

Quem quiser consultar a estatística completa pode passar por aqui.

Revisão: Andreia Moroni

* A tradução de “A carência”, de Alejandra Pizarnik, é de Virna Teixeira e Carlos Machado.

* * * * *

Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, e morou alguns anos no Brasil. É autor de Festa no covil, Se vivêssemos em um lugar normal e Te vendo um cachorropublicados pela Companhia das Letras e traduzidos em quinze países. Ele colabora para o blog com uma coluna mensal. 
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Juan Pablo Villalobos

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