O jornalismo não vai acabar

07/04/2016

14298383858_711586c71e

No Dia do Jornalista, convidamos o correspondente internacional de O Estado de S. Paulo Jamil Chade para responder três perguntas sobre o papel do jornalismo investigativo na defesa de temas de interesse público e o futuro da profissão em um mundo com novas dinâmicas de comunicação. A partir de sua experiência como repórter radicado na Suíça há mais de quinze anos, Chade reuniu um farto material sobre a corrupção no futebol mundial e brasileiro, que deu origem ao livro Política, propina e futebol – Como o "Padrão Fifa" ameaça o esporte mais popular do planeta, publicado pela Objetiva.

Em 2011 e 2013, Jamil Chade foi premiado como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se. Com viagens a mais de 65 países, já cobriu missões de presidentes brasileiros no exterior, viajou com Papa Bento XVI e Papa Francisco ao Brasil, percorreu a África com o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, acompanhou refugiados no Iraque, Somália, Darfur e Libéria, e centenas de outras histórias. Suas reportagens sobre os bastidores do esporte mundial renderam ao repórter diversos prêmios, além de participações na CNN, BBC, canais espanhóis, canadenses, suíços e de diversos países. Atualmente, faz um amplo trabalho de cobertura do escândalo Panama Papers e suas múltiplas implicações diretamente da Europa. Chade também indica cinco títulos indispensáveis no segmento de jornalismo publicados pelo Grupo Companhia das Letras. Vale conferir.

Qual a importância do jornalismo investigativo nas revelações da corrupção na Fifa? E quais os principais resultados alcançados até aqui?

Quando, em maio de 2015, a Justiça americana revelou seu caso contra os dirigentes da Fifa e de várias federações, os poucos jornalistas que passaram anos cobrindo a administração do esporte e denunciando a corrupção tiveram um amplo sentimento de alívio. Por fim, a polícia agia sobre temas que nós já tínhamos denunciado e que, por isso, tínhamos sido alvos de pressão, de campanhas sujas e de ameaças.

Uma parte substancial das denúncias do FBI já era conhecida da imprensa e publicamos várias das histórias que, de repente, o mundo passava a descobrir com as revelações da Justiça americana.

A operação nos deu muita força e, desde então, mais de uma dezena de dirigentes foram derrubados, estão foragidos ou presos. O impacto foi profundo e, acima de tudo, legitimou o trabalho que estávamos fazendo. A limpeza no futebol não acabou. No fundo, ele está apenas começando e ainda não está garantido que grupos criminosos sejam de fato retirados do controle do esporte.

Ao jornalismo investigativo, não caberá outra função senão a de continuar buscando a verdade. Seu papel no esporte continua sendo o de informar ao torcedor e aos cidadãos o que de fato aquela partida representa. Em muitos casos, o que está em jogo não é um troféu. Mas recursos públicos e até o sequestro da emoção legítima do torcedor.

O jornalismo vive uma crise e há os que profetizam o fim dos jornais. O caso recente do Panama Papers é um exemplo da contribuição da imprensa no mundo. Quais as perspectivas para o futuro do jornalismo?

Não existe a mais remota possibilidade de o jornalismo acabar. Sim, ele passa por uma revolução. Sim, a avalanche de informações é inédita. Mas, por isso mesmo, nunca foi tão necessária a presença de um profissional para apurar o que é falso ou verdadeiro, o que é manipulação e o que é a história por trás de um gesto.

O Panama Papers, o Wikileaks, o Swissleaks, Edward Snowden, o Luxleaks e outros fazem parte de um mesmo movimento: o reforço da missão jornalística de consolidar a cidadania. Sempre digo que temos o dever — e o privilégio — de defender a liberdade de expressão, de servir ao interesse público, de incentivar o debate público, sempre agindo com responsabilidade. O oxigênio da democracia, como diria Rui Barbosa, sempre será necessário.

Para aqueles que profetizam o fim dos jornais, dos jornalistas, peço apenas que perguntem ao ex-primeiro ministro da Islândia o que ele acha. Foram revelações da imprensa que levaram à sua queda. No dia seguinte às revelações na imprensa sobre o novo presidente da Fifa, Gianni Infantino, a polícia suíça fez uma operação na sede da Uefa e um membro da entidade renunciou.

Neste ano, tivemos duas grandes vitórias. A primeira foi com o Oscar para o filme Spotlight, que mostrou as entranhas, os medos, a apuração, a seriedade, as frustrações e o suor de um grupo de jornalistas que apenas queria revelar a verdade.

A segunda vitória foi mais simbólica para o futuro: a capacidade de colocar mais de 300 jornalistas para agir ao mesmo tempo nos quatro cantos do mundo e, graças àquela mesma tecnologia que em teoria mataria os jornais, produzir um material — o Panama Papers — capaz de estremecer governos e corporações.

Com a adaptação necessária diante das novas tecnologias, o jornalismo não apenas não desaparecerá, mas será fortalecido. E agora com um impacto global.

Como é a rotina de um jornalista investigativo brasileiro na Europa? E como você vê a imprensa hoje no Brasil?

Paciência, precisão e insistência, além de um fígado resistente. Essa é a real rotina de um jornalista investigativo. Nenhuma dessas grandes reportagens nascem da noite para o dia. Lembro-me sempre de uma informação que recebi em 2008 sobre um esquema de corrupção envolvendo o futebol e contas em Andorra. Passei a buscar isso de forma constante, por vários canais e fontes. Tive de esperar até 2014 para ter as provas e publicar o material. O resultado foi que o principado de Andorra foi obrigado a retirar o visto de residência da pessoa implicada por conta da história. Assim como na Europa, a imprensa escrita no Brasil também mergulhou na direção de que, para sobreviver, terá de trazer conteúdo, profundidade e revelações exclusivas. Com responsabilidade e senso de cidadania, esse jornalismo não corre qualquer tipo de risco de desaparecer.

* * *

Leituras recomendadas por Jamil Chade:

A sangue frio, de Truman Capote

Vida de escritor, de Gay Talese

A milésima segunda noite da Avenida Paulista, de Joel Silveira

A face da guerra, de Martha Gellhorn

O xá dos xás, de Ryszard Kapuscinski

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog