Por Lilia Moritz Schwarcz
Acaba de falecer em sua simpática casa à beira da praia -- em Westerly, Rhode Island —, e sempre ao lado de sua esposa Felicity, o historiador Thomas E. Skidmore.
Brazilianista de formação, ele foi um dos primeiros e mais destacados historiadores norte-americanos que já nos anos 1970 dedicaram-se a investigar o nosso passado nacional.
Depois de defender em 1960 seu doutorado em História europeia na Universidade de Harvard, Skidmore recebeu uma bolsa para estudar um país da América Latina; qualquer um.
Foi então que ele escolheu o Brasil; acadêmica e afetivamente. Publicou, desde então, uma série de ensaios, artigos e livros dedicados ao país, muitos deles considerados verdadeiros clássicos entre nós. Cito aqui, como exemplo, apenas alguns deles.
Em Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (publicado pela primeira vez em 1972, e pela Companhia das Letras em 2010) Skidmore elabora um painel tão impressionante como pioneiro, desses caminhos e descaminhos da democracia no Brasil.
Em 1974, quando integrava a Universidade de Wisconsin e editava a Luso-Brasilian Review, publicou seu Preto no Branco — Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1970-1930) -- Companhia das Letras, 2012. Num contexto em que pouco se tratava do problema racial no Brasil, e em que esse assunto era uma espécie de tabu, Skidmore fez um amplo e sensível balanço sobre os intelectuais brasileiros que lidaram com o tema, passando pelo pensamento mais romântico, para chegar nos modelos racialistas ou as políticas de branqueamento.
O professor e pesquisador passou a ensinar, nesse contexto, na Universidade de Brown; instituição em que lecionou por 20 anos, desenvolvendo uma missão privada (bem certo), mas também pública: promover o conhecimento do Brasil nos Estados Unidos e vice e versa.
Skidmore fez parte de uma ilustre geração de Brazilianistas -- verdadeiros intelectuais anglo-saxões devotados a estudar a história do Brasil —, geração na qual se destacam nomes fundamentais para a nossa historiografia, como Kenneth Maxwell e Stanley Stein, dentre tantos outros. Além de abrir áreas de pesquisa, introduzir documentos e explorar novas fontes, esses intelectuais mostraram-se identificados com o país nos momentos mais difíceis e agudos. Skidmore, por exemplo, defendeu o direito à liberdade de expressão no Brasil, e manifestou-se contra o regime militar e a ditadura que haviam se instalado no país nos anos 1970. Nesse momento em que a censura procurava cercear todos aqueles que se opunham à ditadura, Skidmore usou da sua imunidade como cidadão estrangeiro para atuar de maneira combativa na luta pelos direitos dos brasileiros.
Skidmore orientou uma boa centena de alunos e influenciou gerações de estudiosos interessados na política do nosso país, na questão racial e nessa história do Brasil, feita com tantos golpes e contragolpes.
O professor legou também uma lembrança doce. Ele recebia a todos -- no Brasil e nos EUA; na universidade ou em sua casa -- com um sorriso meigo e uma curiosidade intelectual genuína; típicos dos grandes pensadores. Daqueles talhados para fazer história e entrar nela.
Vai deixar muitas saudades.
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Lilia Moritz Schwarcz é professora titular no Departamento de Antropologia da USP, além de autora de O espetáculo das raças, As barbas do imperador (vencedor do prêmio Jabuti na categoria ensaio), D. João carioca (em coautoria com Spacca) e O sol do Brasil (vencedor do prêmio Jabuti na categoria biografia), entre outros. Em abril, lançou com Heloisa Starling Brasil: Uma biografia.