Scrivener, o aliado

13/06/2017

Faz quase três anos que falei neste espaço sobre o Scrivener, um editor de texto pensado para quem escreve ficção. Naquela época, eu já estava totalmente convertida ao software e tentava ser uma propagadora de seus benefícios. Pouca coisa mudou desde então: eu engavetei a graphic novel mencionada no post depois de ter dedicado bastante tempo a ela, mas continuei usando o Scrivener no projeto literário que veio logo em seguida (e que acabo de concluir). Difícil pensar na escrita desse novo romance sem o Scrivener. Não é que eu não pudesse tê-lo escrito no Word ou no amigável-porém-estranho Pages, mas para que colocar mais tensão em um processo já tão naturalmente tenso?

Ainda que eu não use um centésimo dos recursos do programa – acho bem engraçados aqueles murais de cortiça –, algumas funcionalidades me ajudaram muito no longo processo de escrita. Comentarei brevemente sobre elas em tópicos, esperando que isso possa ser útil também para outras pessoas.

Scrivener realiza seus sonhos de arquiteto: a primeira coisa que me seduziu na interface do Scrivener foi o fato de poder olhar para o projeto literário compartimentado, separado em capítulos, partes ou o que quer que seja. Essa informação visual vem bastante a calhar em narrativas de longa extensão. No caso específico do meu romance – cuja trama principal é “interrompida" seis vezes por capítulos de outra natureza –, ainda pude substituir os ícones desses capítulos por figuras de outra cor, me sentindo novamente no início dos anos 90, quando minha grande emoção era buscar uma imagem bonitinha entre centenas de ícones que as revistas de informática ofereciam como brinde. Para aqueles que escrevem em uma ordem apoteótica (não é o meu caso), com fortes possibilidades de modificarem muitas vezes essa ordem da narrativa até o final do livro, o fato de você poder arrastar facilmente partes do texto é uma maravilha. 

Scrivener conta caracteres e palavras com a mão nas costas: não que você precise necessariamente se importar com uma coisa dessas, mas é interessante quando você quer comparar a extensão de uma parte do romance em relação à outra parte, por exemplo, sem precisar fazer complicadas e infinitas rolagens de texto. Para os que estão mergulhados na racionalidade contemporânea – quem é imune a isso? –, o Scrivener ainda permite estabeler metas diárias de número de palavras. Não há castigo, no entanto se você não cumpri-las, calma. Nada como aquele app que vai deletando as palavras caso você não escreva rápido o suficiente. Isso é coisa de maluco.

Scrivener lida com as angústias do artista: quase todo escritor tem medo de mexer em trechos já escritos e simplesmente ver desaparecer aquelas primeiras palavras postas na tela. E se a primeira versão estiver melhor e eu quiser voltar a ela? Minha experiência diz que isso nunca acontece. Mesmo assim, queremos salvar as n versões de um capítulo pois vá que. Ou pode ser que nossos espíritos estejam transbordando de vaidade e a gente não consiga deixar de pensar em crítica genética e nos guardanapos rabiscados que um dia estarão no acervo do Instituto Moreira Salles. A razão realmente não importa, mas o fato é que o Scrivener tem um recurso chamado “snapshot" que simplesmente guarda as múltiplas versões de um pedaço de texto, havendo inclusive a possibilidade de você compará-las quando quiser. Além disso, ainda sobre angústias: o software salva de forma automática o projeto a cada letra que você tecla, e é muito fácil programar backups.

Scrivener tem um ótimo sistema de comentários e notas: não que seja um trabalho acadêmico, mas muitos romances envolvem pesquisas e dados, e pode ser interessante você guardar a origem das informações para consultas futuras ou outra razão qualquer. No meu caso, tive que usar alguns dados reais que envolviam medidas no insano padrão americano, e claro que fiz a conversão para nosso sistema métrico, mas, por segurança, quis guardar o valor original. Também fiz algumas colagens de falas e textos nos tais seis capítulos especiais que já mencionei. Por exemplo, pesquei de um site uma descrição absurda sobre um cara que caçou um urso, arrancou a cabeça do urso, colocou-a na mochila e deixou o resto da carcaça para buscar depois e queria saber se isso estava dentro da lei. Falando em lei, talvez eu tenha que dar créditos para isso.

* * * * *

Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

 

Carol Bensimon

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog