10 livros para entender a história de Rússia e Ucrânia

25/02/2022

Na madrugada desta quinta-feira (24/02) acompanhamos a invasão das tropas militares russas na Ucrânia. Apesar de ter se declarado estado independente desde 1991, mesmo ano em que teve o fim da União Soviética, a Ucrânia permaneceu economicamente dependente da Rússia e, ao mesmo tempo, manteve uma crescente proximidade política com a União Europeia e a Otan.

A parceria econômica e política com nações historicamente conflituosas sempre foi motivo de tensão. Intimidado pela possibilidade de Ucrânia integrar a Otan, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou a distribuição de equipamentos militares na fronteira com a Ucrânia até, por fim, ordenar a invasão no território ucraniano nesta semana.

Para entender profundamente o presente precisamos revisitar o passado e, ressaltando a importância do atual momento, separamos uma lista com dez livros que constituem a história dos dois países por meio de diferentes gêneros de escrita. 

  1. Contos de Odessa

No alvorecer do século XX, Odessa, na Ucrânia, era uma dessas cidades que, como Paris e Nova York, atraíam todo mundo: comerciantes do Leste, marujos, minorias, estudantes, bandidagem. A cidade portuária fervilhava; os jornais estampavam notícias sensacionalistas e a população se amontoava em cortiços. O sublime e o grotesco apareciam em um simples passeio pelas ruas.

É este mundo que vem à tona nos contos de Isaac Bábel. Em uma prosa sintética e cortante, o escritor – que renovou a narrativa curta – captura a vida da cidade, com foco na comunidade judaica. Como em um filme de Tarantino, figuras violentas e burlescas de ladrões e mafiosos cômicos aparecem registradas de maneira quase jornalística.

  1. Vozes de Tchernóbil

Em 1986, uma explosão seguida de incêndio na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia – então parte da finada União Soviética –, provocou uma catástrofe sem precedentes em toda a era nuclear: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera da URSS e em boa parte da Europa. Em poucos dias, a cidade de Prípiat, fundada em 1970, teve que ser evacuada. Pessoas, animais e plantas, expostos à radiação liberada pelo vazamento da usina, padeceram imediatamente ou nas semanas seguintes.

Tão grave quanto o acontecimento foi a postura dos governantes e gestores soviéticos (que nem desconfiavam estar às vésperas da queda do regime, ocorrida poucos anos depois). Esquivavam-se da verdade e expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os serviços de reparo na usina.

É por meio das múltiplas vozes – de viúvas, trabalhadores afetados, cientistas ainda debilitados pela experiência, soldados, gente do povo – que Svetlana Aleksiévitch constrói esse livro arrebatador, relato e testemunho de uma tragédia quase indizível. Tudo na história de Tchernóbil aparece com a força das melhores reportagens jornalísticas e a potência dos maiores romances literários.

  1. Na contramão da liberdade

Na contramão da liberdade é a tentativa de Timothy Snyder de entender o novo tipo de autoritarismo que emergiu de um conjunto de eventos interligados mundialmente, da Rússia aos Estados Unidos, em uma época em que a factualidade em si foi posta em xeque.

Essa vigorosa obra de história contemporânea é baseada em uma vasta pesquisa e atravessada pela experiência pessoal do autor. Cada capítulo é dedicado a um ano e a um episódio em particular – a volta do pensamento totalitário (2011); o colapso da política democrática na Rússia (2012); o ataque russo à União Europeia (2013); a revolução na Ucrânia e a subsequente invasão russa (2014); a difusão da ficção política na Rússia, na Europa e nos Estados Unidos (2015); e a eleição de Donald Trump para a presidência norte-americana (2016).

  1. Talvez Esther

Numa esquina da Kiev de setembro de 1941, a babuchka, que talvez se chamasse Esther, pergunta em iídiche a soldados alemães o caminho para Babi Yar, onde, dois dias depois, mais de 33 mil judeus seriam mortos.

Essa história, porém, começa muito antes e é narrada de um ponto de vista singular: o de uma ex-cidadã soviética nascida na Ucrânia no início da década de 1970 que escolhe Berlim como refúgio e ponto de partida, e adota o alemão, aprendido aos 26 anos, como instrumento de resgate de uma fragmentada história familiar. É dessa Berlim, hoje pacífica, que parte a jornada da narradora em busca da própria história, entrecruzada a todo instante por eventos cruciais do século XX.

  1. Kaputt

Em junho de 1941, Curzio Malaparte seguiu para a Ucrânia como correspondente de um jornal italiano, transitando entre as tropas germânicas e russas e cobrindo as batalhas das forças do Eixo na Suécia, Polônia, Romênia, Finlândia, Alemanha, a antiga Iugoslávia, Rússia e Ucrânia. Sua jornada por cidades e vilas arrasadas, presenciando a fome, o terror e a degradação da população, deram origem a Kaputt. O livro logo se tornou um clássico da literatura universal, sendo traduzido para vários idiomas e inspirando filmes e obras de arte.

Kaputt impressiona pelas imagens que evoca com histórias que se entranham em nossa memória para nunca mais sair – o cônsul da Itália em Jassy, soterrado pelo peso frio de quase duzentos cadáveres de judeus que iam deportados num trem para a Romênia; ou as crianças napolitanas convencidas pelos pais de que aviadores ingleses sobrevoavam a cidade para atirar-lhes bonecas, cavalinhos de madeira e doces. Através dessas imagens, Malaparte desvela a impiedade e truculência do nazifascismo, a impotência e alienação da elite europeia e o horror vivido pelos mais oprimidos.

  1. Jovens heróis da União Soviética

Nascido em Moscou e criado em Nova York, desde muito cedo Alex Halberstadt optou por esquecer seu passado russo para, assim, abrir espaço para uma nova língua e novos costumes. No entanto, o passado volta para assombrá-lo em sonhos insistentes e perturbadores e em medos infundados.

Ele decide, então, ir atrás de sua verdadeira história. Na Ucrânia, encontra o avô paterno – provavelmente o último guarda-costas vivo de Stálin. Revisita, na Lituânia, a casa de sua mãe judia e vasculha o legado do Holocausto e do antissemitismo que permanece insepulto.

Por fim, volta para sua cidade natal, Moscou, onde a avó desenhava roupas para as esposas de ministros soviéticos, a mãe consolava dissidentes em um hospital psiquiátrico e o pai ganhava a vida vendendo discos americanos no mercado clandestino. Ao construir esse relato tão particular de uma família de imigrantes, Halberstadt vai além e reconta, com maestria, um dos períodos mais sombrios da história recente. O livro é um relato comovente sobre a frágil fronteira entre história e biografia.

  1. O fim do homem soviético

Neste livro, a ganhadora do prêmio Nobel de literatura, Svetlana Aleksiévitch, examina como a queda do Império Soviético afetou a vida do povo russo. A política de abertura do governo Gorbatchóv impôs uma mudança drástica da estrutura social, do cotidiano e, sobretudo, da direção ideológica da população.

Em cada personagem está um pouco da história russa – a mãe cuja filha morreu em um atentado; a antiga funcionária do Partido Comunista que coleciona carteiras abandonadas de ex-filiados; o velho militante que passou dez anos em um campo de trabalhos forçados. O livro traz um painel fantástico de russos de todas as idades que se movem entre a possibilidade de uma vida diferente e a derrocada da sociedade que conhecem.

  1. Prisioneiros da geografia

A geografia está muito mais presente em nossa vida do que percebemos. Ela delimita poder, guerras, política e o desenvolvimento social e humano, incluindo língua, comércio e religião. E assim é para todas as nações, grandes ou pequenas: a paisagem aprisiona seus líderes, dando-lhes menos escolhas e margem de manobra do que pensamos.

Considere, por exemplo, a Rússia: se ela tivesse montanhas no seu Oeste e acesso às águas mornas do oceano Índico, não se preocuparia com ataques vindos da Ucrânia e teria portos que nunca congelam – e o cenário político da Europa e da Ásia seria diferente.  Jornalista experiente, Tim Marshall explica a geopolítica global através de dez mapas centrais, examinando as principais regiões estratégicas do mundo. Uma leitura que vai fazer você enxergar o mundo – e os mapas – de outra maneira.

  1. Como as democracias morrem

Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a questão que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – dois conceituados professores de Harvard – respondem ao discutir o modo como a eleição de Donald Trump se tornou possível. Para isso comparam o caso de Trump com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos: da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, além das sucessivas reeleições de Vladimir Putin na Rússia.

E alertam: a democracia atualmente não termina com uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar; agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas – como o judiciário e a imprensa – e a erosão gradual de normas políticas de longa data.

  1. O mestre e Margarida

O mestre e Margarida é um romance revolucionário. Uma obra com estilo absolutamente original, sobre a liberdade da escrita e a força do amor em tempos adversos. É também uma sátira devastadora da vida sob o regime soviético, da censura e da repressão. A publicação pela revista soviética Moskva, entre novembro de 1966 e janeiro de 1967, mudou para sempre os rumos da literatura russa. Mikhail Bulgakov havia morrido 26 anos antes. Era conhecido por suas peças teatrais de sucesso – polêmicas por sua visão crítica do regime –, além de contos, novelas e um romance. Quase ninguém suspeitava que, entre seu material inédito, estava sua obra máxima.

Bulgakov levou cerca de dez anos para terminá-la, sabendo dos problemas que teria com a censura – chegou, inclusive, a queimar uma versão inicial. Apesar disso, o livro sobreviveu por mais de duas décadas e tornou-se um fenômeno.

 

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