7 perguntas que a internet me fez: um experimento (parte 1)

19/02/2019

 

Um dos grandes medos do escritor é ser irrelevante. Bom, não sei se de todos os escritores, mas dos meus muitos medos, é sim. Sobre o que devo escrever na crônica do Blog da Companhia? Sobre excelentes livros que andei lendo? Sobre como fui jurada no Prêmio Casa de Las Américas 2019 pra literatura brasileira e como essa experiência, somada a uma visita literária a Cuba, me tocou e mudou como autora, leitora e pessoa? Sobre a leitura de livros excelentes que tiveram tiragens iniciais de 100 exemplares?

Devo falar da treta literária da semana, abordar o racismo de Monteiro Lobato, sobre uma ideia de que seria “censura”, tema sobre o qual inúmeras pessoas já falaram melhor que eu?

Devo fazer um post humorístico? Talvez pudesse falar de temáticas literárias pra aniversários? Já que muita gente (branca) rica agora deu pra fazer festa de aniversário racista? Pra uma temática racista, é muita falta de opção. Iam ser sugestões, pra ninguém ficar preso nesses temas desagradáveis (e desumanos). Eu inclusive tinha começado a fazer um post sobre isso. Mas além de uma festa temática Elvira Vigna (um bolinho aqui em casa, café passado, sem grandes alardes), Vanessa Barbara (não tem festa, tem aviso na entrada do prédio e o porteiro nem chama no interfone) e uma temática Antônio Xerxenesky (na festa temática Antônio Xerxenesky, Antônio Xerxenesky é o DJ), não cheguei a muitos lugares.

A verdade é que não sei. Não sei o que vocês querem saber. Falam muito de “atender ao público leitor”, mas esse conceito me parece estranho e/ou errado. Então resolvi pedir aos meus seguidores no Instagram que fizessem perguntas. Eu usaria as perguntas pra modelar um tema, aí teria uma infinidade de crônicas.

Achei que ia receber umas duas perguntas.

A internet, mais uma vez, me surpreendeu. Agradeço a todo mundo que enviou: vocês além de me ajudarem com o post, me fizeram pensar em vários temas.

Resolvi responder todas num post só, porque acabei me empolgando. Se vocês gostarem, podemos fazer de novo. Eu não sei o que meus leitores querem. Se vocês quiserem mais disso, me avisem explicitamente. Obrigada. Vamos a elas.

 

1. “Dizem que escrever cenas de sexo é a prova de fogo do escritor. Você se considera boa nisso?” (do robertodenser)

Não. Eu me considero boa em eufemismos e subentendidos de que houve sexo. Mas agora, narrar na página… Eu nem sei qual palavra usar. Usar palavrão? Usar os termos técnicos, tipo vagina e pênis? No De espaços abandonados, tem uma cena com uma questão bem específica (vamos lá: um personagem brocha durante o ato). Aí tive que narrar. Mas é só olhar a frase “o personagem brocha durante o ato” pra entender o quão dura e artificial eu acho que a cena ficou no livro. Mas era necessária, então.

 

2. “E-book ou livro físico?” (do sr.war)

O e-book ganha muito em conveniência. Prefiro pra ler livros pesados, pra livros que quero começar a ler imediatamente, pra buscar uma palavra-chave, pra ler coisas que só tenho em doc ou pdf. Por exemplo, quando eu tinha uma matéria sobre Ulysses no mestrado, eu levava o e-book e o livro (e a tradução em português), porque se o professor menciona “ah, quando Joyce menciona a personagem tal”, ele segue falando, ele não diz em que página está isso. Facilitava a marcação, contextualização mais imediata. Mas quando eu fosse ler tudo, lia no papel. Gosto de escrever e marcar no livro em papel, e ainda acho que o e-book perde nisso (apesar de ter esses recursos). Se pudesse, teria todos meus livros em papel e em e-book, e aí teria uma grande biblioteca, que nem a de Borges, ou a da Bela, em A Bela e a Fera.

 

3. “Como descobrir se algo que você escreveu tem algo de bom ou é só vergonhoso?” (do bfedato), na mesma onda da pergunta do hud.sonaraujo: “Como você sabe que o que você escreve é bom (ou pode ficar bom (ou é bom… não sei))??"

Eu não faço ideia. Tomar distância do texto é a sugestão mais comum, deixar descansar por um tempo, semana, mês, e voltar ao texto. Mas confesso que eu já tive experiências em que na revisão de um livro, achava tudo um horror e queria botar fogo no laptop e, no dia seguinte, achava que, sim, era um livro de fato divertido. Acho que em geral é aceitável achar horrível se os dias que você acha tudo horrível forem menores que os dias que você dá um sorrisinho e diz: é, eu leria esse livro. Mas eu tenho vergonha do que escrevo, em geral, não encosto depois que foi publicado.

 

4. ”Como colocar as palavras na ordem certa que fica top” (do Henrique314159)

você bota uma palavra

aí não deu

aí outra

aí meio que deu

aí parece que melhorou

mas uma terceira palavra

aí agora parece que piorou

e se eu botasse um ponto

não

não

pelo amor de

tipo Scrabble só que

só que sem saber o jeito certo das palavras

não

deleta a frase toda

começa do zero

uma palavra

repita o loop

tipo isso migo

 

5. “Luisa, como a gente faz pra abordar os agentes?” (de secoelho)

A gente (separado aqui), em primeiro lugar, é educado. A gente não vai bater na casa da pessoa, a gente não xinga a pessoa. Isso antes de tudo: não seja maluco.

Dito isso.

A gente mede se conhece alguém que conhece alguém que possa gostar e ler. Aí a gente pede pra essa pessoa, que com sorte gosta do seu trabalho, fazer a conexão. Se a gente não conhece uma pessoa pra fazer a conexão, a gente manda e-mail, tenta conversar com o agente, tenta descobrir se tem um período que a agência aceita originais. Mas o trabalho do agente às vezes é meio romantizado (em especial por conta dos filmes gringos). Muita coisa que um agente faz pode ser feita por essa mesma via editores. É uma rota muito particular de cada um. No entanto, se fosse pra dar uma resposta objetiva e geral, diria: vai conhecendo pessoas, escrevendo, fazendo oficinas, escrevendo, mostrando teu trabalho, que o momento chega. Porque às vezes não vale a pena ter agente e ser muito cru na própria escrita.  

Não sei se essa resposta fez sentido.

 

6. “Como você tem, planeja e desenvolve as ideias de enredo para seus livros?” (de sol_aburaya)

Pra ter uma ideia: não sei. Vou coletando coisas de que gosto. Capivaras. Cerrado brasileiro. Adolescentes. Essas coisas de que gosto vão dando liga ou não, até que quando vejo, tenho uma mini-ideia. Depois, essa ideia aumenta.

Como desenvolvo: aí chego nos personagens. Montar os personagens, suas motivações, fazê-los complexos, isso praticamente permite que a história aconteça sozinha. Imagina: como seria se seu pai, sua mãe e seu melhor amigo tomassem cerveja juntos? Você conhece essas pessoas (relativamente). Sabem como vão interagir. Por mais que apareçam menos ou sejam coadjuvantes, eu geralmente sei onde está um personagem em todos os momentos da história (mesmo que não vá dizer).

Pra planejar: Eu tenho uma técnica que eu chamo de Técnica Pra Escrever Qualquer Texto de Qualquer Tipo Copyright eu. É bem básica. Alguém me disse de um ditado, acho que atribuído ao Luiz Antonio de Assis Brasil, mas não sei mais. O ditado é: “se seu personagem vai morrer de câncer de pulmão na página 50, na página 1 ele tem que estar tossindo”. É isso. Se eu quero que um casal se apaixone, uma história de amor, então eles têm que: se conhecer, ter intimidade, começar algo, amor. Isso partindo do princípio heteronormativo e estereotípico de como as coisas funcionam. Relacionamentos variam muito. Mas é isso. Nas minhas oficinas, fazemos isso com alguma frequência. Qual o final? Morte. Morte de quê? De cirurgia malsucedida. Mas cirurgia de quê? De coração. Mas qual o problema do coração? E vai voltando. Isso te dá a estrutura. Na página 1, esse personagem tem que pelo menos estar comendo bacon.

 

7. “O que ler pra escrever melhor? Como arrumar público?” (de geovannaferreirass)

Ler: literatura. Boa literatura. E não só ler: ler com atenção, ler tentando entender como o autor fez determinada cena, por que ele fez você sentir raiva ou medo. Até Stephen King pode ensinar em termos de técnica literária nesse sentido. Ao ler um livro ruim, por que ele parece ruim? Como ele seria melhor?

Há, é claro, excelentes manuais de escrita, que não vou enumerar aqui, porque o post do mês que vem será sobre isso, pensando no lançamento de Escrever ficção. Mas leitura ativa é o mais importante.

Sobre arrumar público: acho muito fofo que vocês achem que eu tenho público. Eu gosto de falar com meus leitores nas redes sociais, mas não porque é uma “técnica de arrumar público”, mas porque gosto realmente da interação. Escrever é solitário, com ou sem público (em geral sem).

 

Eu continuaria respondendo. Tenho mais outras sete perguntas, excelentes perguntas, sobre organização de tempo, sobre quando saber que um livro está pronto, sobre residências literárias. Mas o que eu não tenho são caracteres.

Tomei essa decisão agora também.

Este post será um post de duas partes.

Então mês que vem, quero fazer um post sobre o lançamento de Escrever ficção, que já comentei, um livro “manual” de escrita feito pelo meu excelente professor Luiz Antonio de Assis Brasil. Quero falar dessa questão de manuais, que muito me toca, já que o De espaços abandonados está escrito dentro de um “manual (ficcional) de escrita”. Tive experiências interessantes com esses manuais, muito mais comuns e pragmáticos e com tom de auto-ajuda no exterior.

Aí vem o resto das perguntas. Em abril. Sei que parece longe, mas imaginem se cada uma das perguntas fosse um texto. Aí só em 2040. Acho que pode cansar menos a leitura. Pra eu poder responder todo mundo com cuidado. Por mais que eu faça piadinhas, acho que as perguntas vêm de um lugar honesto, e quero que as respostas também. Gostei da experiência e não quero ficar cortando texto (perdão, Hemingway).

***

Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, De espaços abandonados foi publicado pela Alfaguara em 2018. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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