A história através das cartas

22/11/2017

Em 2014, lançamos no Brasil a coletânea Cartas extraordinárias, a versão "física" do site Letters of Note, organizado por Shaun Usher. O livro reúne 125 missivas curiosas de anônimos e famosos, como um pedido de emprego de Leonardo da Vinci, ou os conselhos de Iggy Pop para uma fã atormentada, ou até uma receita enviada pela rainha Elizabeth II para o presidente Eisenhower. Muito se revela através das cartas, que até pouco tempo eram um dos principais meios de comunicação entre as pessoas, e a ideia de Usher era justamente essa: reunir uma coleção curiosa, emocionante, engraçada, triste e intrigante da correspondência de personagens que fizeram história e não se perderam no tempo.

Agora, chega às livrarias mais uma reunião de cartas notáveis, mas protagonizadas pelos brasileiros. Organizado pelo escritor e jornalista Sérgio Rodrigues, autor de O drible Viva a língua brasileira!Cartas brasileiras traz 80 correspondências de personagens marcantes do nosso país. Dando um novo olhar aos fatos já conhecidos e trazendo à luz missivas inéditas ou pouco difundidas, o livro reúne cartas recebidas ou enviadas por escritores, artistas e políticos — de Elis Regina a Olga Benário, de Chico Buarque a Santos Dumont, de Renato Russo a d. Pedro I —, entre outros personagens. Assim como Cartas extraordinárias, Cartas brasileiras é ilustrado por fac-símiles e dezenas de fotos, e as cartas são acompanhadas por breves textos que as contextualizam, conduzindo o leitor por um deleitoso passeio pelos grandes momentos de nossa trajetória. Um convite irrecusável para conhecer o que há de melhor, mais original e imprescindível em nosso país — a partir dos olhos e da intimidade de figuras extraordinárias.

Cartas brasileiras já está nas livrarias. Leia a seguir uma das cartas do livro, da cantora Maysa para o ator Carlos Alberto. 

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Desde seu precoce disco de estreia, Convite para ouvir Maysa, de 1956, com canções de sua autoria, a cantora e compositora Maysa (1936-77) deixou na história da música popular brasileira a marca de uma voz grave e uma tristeza que lhe valeram o epíteto de “Rainha da Fossa”. De família tradicional, trocou o casamento com um empresário de sobrenome Matarazzo por uma carreira artística pautada pela inquietude (foi também atriz e jornalista) e por muitos amores. O último de seus relacionamentos sérios, com o ator Carlos Alberto, quando ela já vivia reclusa em Maricá (RJ), terminou com uma carta sofrida que lembra o clima de dor de cotovelo de suas canções.

Meu amor,

Agora que você adormeceu, que esse dia passou a ser uma partida, agora que até um sol meio canalha está me gozando, passeando aqui pela varanda, agora que é agora só por instantes e vai ser depois inexoravelmente, e que, não há a menor dúvida, você parte nesse depois, é que acho que a única coisa que me resta é fazer como os tolos infelizes, ou seja, emudecer, deixar que os meus olhos, que são a minha verdadeira boca, saibam, com a dignidade que só os cães têm, fazer do silêncio a minha forma de te acompanhar, de estar contigo nesta ida tua que eu não entendo, mas devo.

Transformar todos esses verbos, entender, partir, dever, partir, em um só: amar. Amar tudo que seja teu, até mesmo a tua partida. O diabo é que não é fácil. Enquanto estou aqui gravando tua fita, o som das músicas que são da gente é uma faca que me corta, corta tanto que a dor está rindo pelo conseguido. E, por falar em rir, como é triste o som de um violino quando a gente está triste. Nunca tinha percebido isso. Ao contrário, sempre achei que o violino era o rei da demagogia. Que nada, amor. É um puta sabe tudo, companheiro pacas, e chora tão bonito quanto eu.

Volta amor, porque fiquei aqui.

Te amo.

Maysa

 

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