A única coisa que sei fazer

01/11/2018

 

Jair Bolsonaro foi eleito presidente no último domingo. Mas eu vou continuar escrevendo.

Bolsonaro disse que nenhum pai tem orgulho de um filho gay. Se tirarem os nossos direitos. Eu vou continuar escrevendo.

Sei que teoricamente este não é o espaço para falar de política. Mas literatura é um ato político. Cultura é um ato político. É tão ato político que censuraram na ditadura. Por isso, vou continuar escrevendo.

Bolsonaro disse que quem discordar dele ou vai para a cadeia ou para o exílio. Se me mandarem para onde quer que for. Seja Cuba, seja prisão. Eu vou continuar escrevendo.

Antes que me digam que ele fala isso da boca para fora. Eu vou continuar escrevendo. Porque acredito no poder das palavras. Acredito que ao dar poder a alguém com certo discurso, dá-se poder ao discurso também. E pessoas são movidas a discurso. Provavelmente não é Bolsonaro que vá, em pessoa, matar populações já carentes, mas seu discurso. Há outro tipo de discurso, que precisa de mais energia quanto esse. Por ele, eu vou continuar escrevendo.

Se o Brasil continuar passando vergonha internacional apontada por New York Times, The Economist, The Guardian, Le Monde, El País. Se o comunista do Papa. Se os líderes internacionais que já são de direita o acham absurdo. Se o Brasil perder a força já anã que tem. Eu vou continuar escrevendo.

Se vierem os discursos de ódio que já vêm para minha inbox. Eu vou continuar escrevendo.

Alguém me disse que Bolsonaro agora é presidente de todos os brasileiros. De toda a pátria. Não sei se é verdade. Alguém com discurso criminoso contra mulheres, LGBTs e qualquer coisa que saia da curva é presidente para (pasmem) uma minoria de pessoas. Alguém com carreira como deputado presa entre não construir nada e destruir toda a ideia para o mínimo de direitos humanos. Essas coisas, vou continuar escrevendo.

Se a depressão, se a ansiedade, se a falta de vontade e motivação me pararem. Vou continuar escrevendo. Porque minha escrita não é minha depressão, e tampouco eu sou ela. Vou escrever porque o movimento dos dedos é mais rápido do que dos pensamentos negativos. Se for um texto pessoal cheio de frustração. Se for um texto de ficção questionando o que acontece. Se for uma ideia experimental que reforce nossas subjetividades. Vou continuar escrevendo.

Jair Bolsonaro só fala com a mídia se for em suas condições ideais. Jair Bolsonaro só aprecia a ficção quando esta joga a seu favor e mascarada de realidade. Para criar cada vez menos essa zona de conforto. Nem que seja só para fazer piada com a bolsa de cocô. Eu vou continuar escrevendo.

Bolsonaro iguala todo o tipo de subjetividade a vagabundagem. Discussão, beleza, reflexão, troca, diálogo, tudo que a arte proporciona, Bolsonaro despreza. Odeia tudo que envolve bom-senso. A começar por seus vídeos caseiros com fundo porco pior que o da maioria dos YouTubers. Mas eu vou continuar escrevendo.

Bolsonaro, chamado por Ernesto Geisel de mau militar, acha uma ditadura militar uma boa ideia. Com um congresso daqueles. Se tirarem — como quem arranca dentes sem anestesia — os direitos trabalhistas, humanos. Se tirarem nossa humanidade. Se nos restar. Se for movida por raiva, por amor, por ódio, por tristeza, por medo, por alegria, por nojo, por convicção. Pelo que seja. Vou continuar escrevendo.

Bolsonaro disse que a ditadura chilena de Pinochet, que matou mais de três mil pessoas, matou foi pouco. E se me matarem. Como gostam de torturar e matar artistas. Eu vou continuar escrevendo. Se alguém escrever um livro psicografado do espírito de Luisa Geisler, pode acreditar. Porque eu vou continuar escrevendo.

Bolsonaro disse que quem discordar dele vai para a ponta de praia. Mas eu vou continuar escrevendo. Nem que seja na areia. Não vou escrever “por” ninguém, ou “dando a voz a”. Vou escrever com. Em cartazes, em jornais, em ruas, em telas, uns nos outros. Em livros. Porque vamos continuar escrevendo.

***

Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira(finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, De espaços abandonados foi publicado pela Alfaguara em 2018. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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