Baile do Menino Deus

31/03/2016

Por Ronaldo Correia de Brito

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Ilustração de Baile do Menino Deus, por Flávio Fargas.

O Brasil possui um calendário de festas herdadas da tradição ibérica, amplamente difundidas e celebradas, principalmente na região Nordeste, como os reisados, lapinhas, pastoris, guerreiros e bumba meu boi. As festas absorveram elementos da cultura indígena e negra, e passaram a ser celebradas em ciclos: Ciclo Natalino e de Reis, Ciclo Carnavalesco, Ciclo da Quaresma ou da Semana Santa, e Ciclo Junino.

O Baile do Menino Deus inspira-se no reisado, brincadeira muito comum no cariri cearense. Numa noite de Natal, o Mateus, uma espécie de palhaço, acompanhado de várias crianças, procura a casa onde nasceu um menino para celebrar uma festa. A procura é cheia de acontecimentos e reviravoltas e quando eles acham a casa, ela está com as portas e janelas fechadas. Começam brincadeiras e ardis, mágicas e peripécias para abrir a porta. Quando ela se abre, revela-se um menino recém-nascido, com seu pai e sua mãe. A festa parece que vai começar, mas a casa desaparece novamente e se inicia uma nova procura. É melhor não contar o final.

Representado pela primeira vez no Recife, em 1983, o Baile do Menino Deus se transformou num espetáculo de sucesso. Multiplicou-se Brasil afora em praças, quadras, pátios, escolas públicas e privadas, comunidades rurais e suburbanas, assentamentos de sem-terra etc. Há 33 anos, o Baile foi incorporado aos festejos de Natal no Recife e em todo estado de Pernambuco. Há 13 anos, é encenado na Praça do Marco Zero para um público superior a 60 mil pessoas, de várias procedências, idades e classes sociais, com acesso gratuito.

Na Praça do Marco Zero, céu e mar se juntam ao cenário, aos músicos, cantores, atores e bailarinos para celebrarem o Natal nas noites de 23, 24 e 25 de dezembro. São mais de 80 artistas no palco. As pessoas fizeram do Baile do Menino Deus do Marco Zero sua festa natalina, pois o espetáculo encanta a todos com sua linguagem leve, alegre, sublime e popular. Os textos e as músicas são facilmente memorizados e não mais esquecidos. O público se reconhece em melodias e versos que contam o nascimento de um menino por meio de teatro e dança. Como diz Ruth Rocha no prefácio do livro, “é uma peça de Natal que faz adultos e crianças rirem e se emocionarem, com sua estrutura simples, sem rodeios, capaz de falar ao coração de qualquer pessoa”.

As brincadeiras do presépio, com José, Maria, Jesus, Reis Magos, Anjos, Pastoras, Ciganas, Boi, Burrinha, Jaraguá, Caboclinhos, Beija-Flor e Borboleta se representam nesse auto que nunca termina e se repete todo ano, conforme sugere um dos personagens da brincadeira:

Senhores donos da casa,

meninos desta folia,

povo inteiro desta sala

que assiste a nossa alegria,

continuemos o baile,

o coração nunca esfria,

quem dança os males espanta

e o peito desanuvia.

Continuemos o baile

agora e em cada dia.

Adote o conselho da Ruth Rocha: “Você pode formar um grupo de amigos na sua rua, no seu colégio, e juntos lerem esta peça. As letras das músicas podem ser recitadas, como poesia. Também pode ser uma bela experiência encenar o Baile do Menino Deus, da qual muitas crianças podem participar — como brincantes dessa festa especial e brasileira”.

O baile aqui não termina,

o baile aqui principia

do mesmo tanto que o sol

se renova a cada dia,

da mesma forma que a lua

quatro vezes se recria,

do mesmo tanto que a estrela

repassa a rota e nos guia.

* * *

Baile do Menino Deus é o primeiro volume de uma “trilogia de festas”, da qual fazem parte Bandeira de São João e Arlequim de Carnaval, peças teatrais publicadas pela editora Alfaguara. Seus autores: Ronaldo Correia de Brito e Assis Lima (texto e letras) e Antonio José Madureira (músicas). O trabalho se completa com as trilhas musicais originais gravadas em CD e lançadas em paralelo aos livros. O CD do Baile foi lançado, em 1983, pela gravadora Eldorado e os outros em edições independentes. Essas peças foram encenadas inúmeras vezes, consagrando-se, principalmente o Baile, como clássico do teatro popular.

* * * * *

Ronaldo Correia de Brito é contista, romancista e dramaturgo. Autor do romance Galileia, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura/2009. Publicou os volumes de contos Faca, Livro dos Homens, Retratos imorais, O amor das sombras, e o romance Estive lá fora. Tem livros e contos traduzidos para o francês, espanhol, inglês, alemão, italiano, búlgaro, húngaro, hebraico, e adaptados para cinema e televisão. Escritor residente da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Pela Alfaguara/Objetiva, publicou a trilogia infanto-juvenil: Baile do Menino Deus, Bandeira de São João e Arlequim de Carnaval e o livro Crônicas para ler na escola.

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