Colunista convidada: Fernanda Passamai Perez

Era uma vez um túnel, um gorila e muitas descobertas

Era uma vez… dois irmãos, um menino, uma menina. João joga futebol com os amigos, é inquieto e prega sustos na irmã menor. Rosa lê livros, é solitária e tem medo do escuro. Um sempre implicando com o outro até que, cansada da situação, a mãe manda os dois para fora de casa para tentarem ser legais um com o outro.

Após uma situação inesperada, o surgimento de um túnel, a relação entre eles se inverte, se transforma na verdade. Agora são cúmplices. Fim!

Era uma vez... uma menina que adorava gorilas. Hannah desenhava gorilas, estudava e sabia tudo sobre eles, mas nunca tinha visto um de verdade. Dia após dia, pedia ao pai que a levasse ao zoológico para que pudesse ver seu animal preferido bem de perto. O pai, no entanto, nunca tinha tempo para isso. Na véspera do seu aniversário, Hannah ganhou um gorila de pelúcia e como num sonho é conduzida por ele numa jornada de puro prazer. Na manhã seguinte, a menina, acorda realizada e feliz. Fim!

À primeira vista, as histórias acima não apresentam nada de especial, aliás são bem comuns. Muito parecidas com tanta outras. Ledo engano. Os livros O túnel e Gorila, ambos do autor inglês Anthony Browne, ganhador do Prêmio Hans Christian Andersen em 2000, lançados nos anos 1980, chegam ao mercado brasileiro ainda cheios de frescor e não têm nada de simplórios.

Em O túnel, o autor de cara provoca o leitor com a imagem parcial de uma criança que, do ponto de vista   inicial, não indica se é menino ou menina, entrando num túnel escuro, onde há um livro aberto abandonado na entrada.   O que será que há lá? Pronto! Leitor visgado! Após a primeira leitura, aquela que a gente lê com     pressa e passa os olhos nas ilustrações, fica a impressão de que a história ainda não acabou apesar do fim do livro. Tem razão! Voltamos lá para o começo, na capa e, dessa vez, já apropriados do enredo, nos entregamos a observar a(s) história(s) expressa(s) nas belíssimas ilustrações que ora dialogam ora complementam ou mesmo superam o texto verbal. Com muita fantasia e referência aos contos tradicionais, essa história sobre os irmãos que aprendem a ser legais um com o outro permite muitas leituras para diferentes leitores. Pequenos ou crescidos.

Gorila - livro vencedor da Medalha Kate Greenaway por melhor ilustração -, traz na capa da edição brasileira, assim como na edição inglesa, um enorme e simpático gorila, loiro, trajando uma exótica gravata borboleta vermelha de bolinhas brancas. Ele e uma garotinha trocam um olhar peralta, que para uns pode ser de cumplicidade para outros pode ser de amor, enfim, você decide! E, pronto, mais uma vez bate a curiosidade.

Seja pela cena, seja pela cores fortes, abrimos o livro. Ah, quanta surpresa! Encontramos uma menina solitária, obcecada por gorilas (obsessão de Browne também), que se sente relegada a segundo plano pelo pai. Em nada corresponde àquela figura que nos encantou na capa...porém, conforme a leitura flui, os sentimentos, a paisagem e o cenário mudam. Será que tem a ver com o presente dado pelo pai? Será que o pai mudou? Virou um gorila? Serão os sonhados (?) momentos de prazer? As respostas estão nos detalhes das ilustrações que desvendam muitos segredos.

De todo modo, em obras como essas, cada leitor pode e deve buscar suas próprias respostas. Posso afirmar apenas que essa busca não será em vão.

FERNANDA PASSAMAI PEREZ é graduada em Letras pela FMU. Coordena e faz mediação de leitura na Biblioteca Tatiana Belinky e no Clube de Leitura VILALÊ na Escola da Vila.

 

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