Diários do isolamento #73: Jessé Andarilho

07/07/2020

Diários do isolamento

Dia 73

Jessé Andarilho

 

Eu ia reclamar dizendo que o corona acabou com mais de vinte eventos agendados que eu tinha para esse ano. Eu ia falar que vivo dos eventos, mas na verdade eu vivo de respirar.

Enquanto a gente reclama do abalo que sofremos nas estruturas financeiras, tem um montão de gente que perdeu a vida.

Tá ruim pra quase todo mundo no mundo todo. Não é sobre o nosso umbigo, é sobre uma tragédia mundial. 

Será que a nossa vontade de bater perna e tomar uma cerveja com os amigos aglomerados é tão necessária assim que não dá pra esperar mais um pouco e sair pra farra só depois que tudo isso passar?

Só vejo o número de infectados crescendo, pessoas morrendo; será que não dá pra segurar o rabo dentro de casa só mais um pouco?

Não estou me referindo às pessoas que estão saindo de casa para trabalhar. Trabalho tudo bem. A gente entende que muita gente não tem como evitar, mas encher a cara de bebida, achar que tá tudo normal, e depois infectar a empregada doméstica, o porteiro do seu condomínio ou sua família que estava se prevenindo direitinho é uma baita sacanagem.

Não adianta ser formado e engenheiro civil, onde já "CiVil"; pode ganhar mais dinheiro do que os fiscais, mas isso não significa que você e sua esposa sejam melhores que outros profissionais. Todos corremos riscos e somos risco, pobre ou ricos.

"É só uma cervejinha, só a cabecinha, primeiro a gente tira a Dilma"...

Essas frases que eles usam nunca deram certo, e a gente tá vendo e vivendo as consequências delas até hoje.

 

***

Jessé Andarilho nasceu em 1981 e foi criado na favela de Antares, no Rio de Janeiro. Filho de vendedores ambulantes, trabalhou com diversas atividades na sua comunidade, até ler seu primeiro livro, aos 24 anos. Foi quando, no trajeto de aproximadamente três horas que fazia de trem de sua casa até o trabalho, passou a usar o bloco de notas do celular para contar histórias. Dessas anotações surgiu o romance Fiel, publicado pela Objetiva em 2014. Em 2015, foi convidado para integrar o grupo de redatores da novela Malhação, da TV Globo. Foi diretor de reportagem do programa Aglomerado, da TV Brasil, e produtor da Cufa – Central Única das Favelas. Fundou o C.R.I.A., Centro Revolucionário de Inovação e Arte, e o Marginow, com a proposta de dar visibilidade aos artistas da periferia. Em 2019, publicou, pela Alfaguara, seu segundo romance, Efetivo variável. Atualmente, Jessé Andarilho realiza palestras em todo o Brasil, contando um pouco da sua história e mostrando como sua vida foi transformada pela literatura.

 

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