Em tradução (Eu?)

10/11/2016

Teve um post aqui da Luisa Geisler em que ela (modestona) se referia a certos escritores mais experientes como “Pessoas que escrevem coisas tão bem feitas e bem pensadas que me tiram a vontade de escrever, de pura insegurança ou raiva”. Nem preciso fangirlzar a moça aqui e dizer que ela mesma, aos 19 anos, já causava essa sensação em uma porrada de gente, incluído este que vos blogueia. Tá, Luisa?

:)

Agora, foi engraçado ler isso aqui porque eu estava pensando coisa parecida de tradutores.

Tudo bem que tem o Paulo Henriques Britto e seu brilhante livro de contos (suspeito que se o Paulo resolver criar rãs as dele vão ser novas e melhores do que as que a humanidade conhece), tem o Rubens Figueiredo escrevendo romances premiadões enquanto traduz Tolstói… Mas, meu, não é muele

Eu sempre pensei que, de tanto a gente lidar com essa coisa de anatomizar ficção de qualidade (1. traduzir é isso, ou pelo menos inclui isso: desmontar o reloginho… 2. citei dois tradutores que, como o sortudo que sou eu, tendem a só lidar com literatura boa), a gente acaba aprendendo certas manhas e, mais ainda, se empolgando com a possibilidade de “fazer” aquilo. Eu sempre pensei que traduzir ficção de qualidade pode te dar vontade de escrever ficção, e pode te dar uns instrumentos a mais pra escrever ficção.

Se quando eu leio David Foster Wallace eu já saio empolgado, quando traduzo, saio meio super-homem (intimamente, ok? de modo discreto e não ofensivo… coisa minha, tá?), achando que aprendi coisas novas, técnicas, jeitos, modos… achando que ele abriu a minha cabeça pra possibilidades inauditas… achando que era só eu ser brilhante como ele que agora eu podia ser brilhante como ele.

:)

Eu e a torcida do flamengo, como dizia a minha mãe. Trocentos colegas dele agiram e agem bem assim.

Será que o talento e a invenção de Wallace tem algo de “generoso”, que te impulsiona? Eu suspeito que tem a ver, na verdade, com algo que eu venho chamando em sala de aula de “fracasso”. A estética do Wallace é a permanente tematização da impossibilidade daquela estética. E o fracasso incita ao progresso… sabe como?

Agora, tem outros…

É como quando eu era músico. Você sai do show de fulano querendo tocar blues a noite inteira. Mas…. eu fui ver o Paco de Lucía e tive vontade de deixar as duas mãos, seccionadas com cuidado, na lixeira da praça Santos Andrade, com um bilhete “por favor não incomode: elas estão sofrendo”…

Já falei da “perfeição” de Dublinenses aqui. Mas, revisando a tradução, senti o peso desse sucesso que incita ao fracasso. Como é que o tradutor que teve que “escrever” aqueles contos consegue sentar no dia seguinte e “escrever” contos seus?

É de uma humilhação, Luisa… É pior que ver uma guria adolescente que escreve melhor do que você pensa que vai conseguir aos 60.

Eu escrevi um livro de contos, né?

Até deram um prêmio pra ele.

Mas vai levar uns meses pra eu pensar em olhar pra aqueles textos…

* * * * *

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

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Caetano Galindo

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

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