Em tradução (Verso e prosa)

21/10/2020

 

Taí.

Uma coisa que eu nunca fiz. Traduzir em prosa uma peça que era em versos. Mas achei que tinha seu valor, nesses tempos bicudos…, reproduzir o que o texto diz. E, pra compensar meu TOC, pelo menos pus umas notas de rodapé.

É uma canção de Randy Newman, um dos maiores cancionistas de todos os tempos. Estava originalmente no disco Bad Love, de 1999. Mas tem também uma versão bem bacana, só piano e voz em The Randy Newman Songbook, vol. 1, de 2003.

 

The Great Nations of Europe

As Grandes Nações d’Europa reuniram-se à beira mar. Já tinham conquistado o que estava às suas costas, e agora queriam mais. Então olharam para o imenso oceano e fizeram-se ao Atlântico.

As Grandes Nações d’Europa, lá no século dezesseis!

Escondei vossas filhas e esposas! Escondei vossos mantimentos! As Grandes Nações d’Europa estão chegando!

Nas Ilhas Grã-Canárias[1], primeira terra a que chegaram, mataram todos os canários que davam nome ao lugar[2]. Lá havia nativos, chamados Guanches. Uma grande quantidade de Guanches. Com balas, doenças e portugueses, não ficou nenhum para contar a história.

E agora eles sumiram. Sumiram. Sumiram de verdade. Vocês nunca viram um povo tão sumido[3]. São um retrato num museu; poucas linhas em algum livro. Mas você não vai encontrar um Guanche vivo, por mais que procure.

Escondei vossas filhas e esposas! Escondei vossos mantimentos! As Grandes Nações d’Europa estão chegando!

Colombo navegou rumo à Índia, mas descobriu San Salvador. Apertou a mão de uns índios… e todos eles morreram. Pegaram tuberculose, tifoide e pé-de-atleta, difteria e gripe comum. Mil perdões, são as Grandes Nações chegando!

Balboa encontrou o Pacífico[4], e um dia, no caminho, conheceu uns índios simpáticos que alguém lhe disse que eram gays. Então ele mandou jogarem os índios aos cães, por motivos religiosos[5]. As Grandes Nações d’Europa eram bem carolas, lá ao seu estilo.

Agora eles sumiram. Sumiram. Sumiram de verdade. Vocês nunca viram um povo tão sumido. Uns ossos ocultos num vale; pinturas numa caverna. Não adianta tentar salvar esses índios: não há mais o que salvar.

Escondei vossas filhas e esposas! Escondei os filhinhos também! Com as Grandes Nações d’Europa nunca se pode saber!

Do nosso ponto de vista, no fim deste século, surgiram Europas por toda parte, até onde a vista alcança. Mas lá longe, no horizonte, há a mera possibilidade de algum micróbio africano[6] que pode vir pegar a gente. e destruir tudo pelo seu caminho, de costa a costa[7].

Como as Grandes Nações d’Europa lá no século dezesseis.

 

[1] Confusãozinha do autor. A ilha Grã-Canária é apenas uma das Ilhas Canárias.

[2] Outra confusão… As ilhas têm esse nome por causa da grande quantidade de cães que havia por lá. E foram elas que, depois, emprestaram o nome ao passarinho.

[3] Eles foram de fato completamente eliminados.

[4] Vasco Núñez de Balboa foi de fato o primeiro europeu a chegar ao Oceano Pacífico a partir da América.

[5] O mais trágico é que isso é verdade. Teriam sido 50 índios.

[6] Newman estava provalmente pensando no ebola, ou talvez mesmo na AIDS. Mas, hoje, difícil não pensar num certo vírus que saiu da Ásia.

[7] O original (“from sea to shining sea”) faz uma citação direta de “America the Beautiful”, famosíssima canção patriótica norte-americana, de que Newman se apropria aqui, bem ao seu estilo, com total ironia.

 

***

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

 

Caetano Galindo

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

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