Entrevista: Rodrigo Lacerda
“Agora você é um ator de teatro – isso mesmo – e pela primeira vez ganhou o papel principal. A estreia acontecerá logo mais à tarde. Seu personagem é um jovem príncipe dinamarquês angustiado, que durante cinco atos se debate consigo mesmo e com o mundo. Pedreira... mas a dificuldade faz a consagração. Dando vida ao dito-cujo, você está feito, será querido igualmente pelos poucos que importam e pelos muitos que fazem a diferença.”
Já no primeiro parágrafo de Hamlet ou Amleto?, de Rodrigo Lacerda, o leitor é surpreendido por uma abordagem completamente diferente das adaptações do clássico de Shakespeare que encontramos por aí. Afinal, você, leitor, é o próprio Hamlet. “A ideia era fazer uma adaptação que usasse o texto original de alguma forma para realmente criar um contato entre o leitor e Shakespeare”, diz Lacerda. “Então, propus criar parágrafos narrativos como “cama” para o texto shakespeariano propriamente dito, entremeando diálogos da peça.”
Qual o papel do narrador nesse livro?
Veio a ideia de que o narrador fosse uma espécie de treinador de elenco, um coach, que tivesse um diálogo entre ele e um ator imaginário, e que ele dissesse o que estava em jogo em cada cena da peça. Não necessariamente como cada cena deve ser interpretada, ele dá vários caminhos interpretativos, mas ajuda o leitor a entender qual é a tensão entre Hamlet e os personagens, quais são os temas importantes e as imagens literárias presentes naquela cena. Por exemplo, há uma imagem recorrente que atravessa a peça inteira que é a ideia da morte que entra pelo ouvido. É o veneno que o tio pinga no ouvido do pai, ou a fala da mãe de Hamlet após uma briga com ele: “suas palavras são como adagas que entram pelo meu ouvido”. Isso passa batido numa primeira leitura, mas com o toque dado pelo "preparador de elenco" fica mais interessante ver como o Shakespeare torce e retorce a imagem, colocando-a de um jeito ou de outro na boca de quase todos os personagens.
Às vezes, parece que a peça tem mais a ver com o imaginário da Inglaterra do século XVI, XVII, do que com a história da Dinamarca...
Hamlet é isso, um imaginário elizabetano com referências renascentistas em cima de uma lenda dinamarquesa do século VI. Fora as nossas projeções do século XXI! Eu vou revelando isso ao longo do livro. Porque mesmo o adulto não preguiçoso que ler a tradução integral de Hamlet, sem ajuda de um narrador externo, não vai perceber essas convivências históricas, que estão nos detalhes. Esse formato que propus, e que nunca vi em nenhuma língua, é uma adaptação que combina o texto original traduzido, o guia de leitura e a ficção. Assim, acho que realmente fica fácil para qualquer pessoa acompanhar a história e curtir a qualidade literária da poesia dramática do Shakespeare. Afinal, por melhor que seja a lenda original de Hamlet, o que marcou o imaginário ocidental foi a forma que Shakespeare deu para a lenda. As imagens recorrentes, a força da poesia dele. Então esse contato direto com o texto original não pode ficar de fora. E as adaptações sempre caem nesse erro.
No livro, você traça perfis psicológicos de todas as relações. Fale um pouco sobre isso.
Shakespeare é um autor que escreve sobre pessoas, as histórias são secundárias. E ele constrói uma trajetória psicológica. Por isso é que dizem que ele é, em muitos casos, um precursor do Freud. Porque o assunto dele era essencialmente o que passava na cabeça das pessoas. Freud vai trabalhar isso em outro nível quando concebe a ideia do inconsciente, mas Shakespeare já trabalhava isso no nível da falsidade, da mentira ou mesmo da fraqueza moral. Por isso o narrador em Hamlet ou Amleto? mostra questões do Hamlet que são difíceis de pegar, como a misoginia. A raiva que ele ficou das mulheres depois da decepção com a mãe por ela ter se casado com o tio menos dois meses da morte do pai. Isso é um ingrediente psicológico importante do personagem, mas não é uma coisa muito simpática. Tratam Hamlet como um grande filósofo, mas o Hamlet misógino, machista, ninguém fala. Por isso, em muitos momentos o narrador agride, ridiculariza Hamlet, porque é uma maneira de enfatizar essas passagens em que ele não é um cara legal, ele não é apenas uma vítima. Mas esse é só um exemplo. O Shakespeare construía trajetórias psicológicas que começam no ponto A e, ao fim da peça, estão no ponto Z. No meio do caminho, cena por cena, fala por fala, ele mostrou o personagem nos pontos B, C, D, E etc. Então raramente o personagem termina a peça sendo a mesma pessoa que era no começo. Os acontecimentos nos transformam, e ele mapeia a transformação. Nesse caso, o meu narrador, o meu preparador de elenco, só precisa sublinhar o processo, pois ele costuma ser bastante claro.
A socióloga da arte Sarah Thornton, autora de O que é um artista?, está no Brasil a convite da SP-Arte para lançar o livro e participar do seminário Talks – Arte como valor, série de palestras da Feira em parceria com a revista ARTE!Brasileiros, dia 9 de abril, quinta. No dia seguinte, sexta, dia 10, Sarah e o professor Charles Watson irão debater o tema do livro e falar sobre a experiência dos dois em entrevistar grandes nomes da arte contemporânea mundial, no auditório da Escola de Artes Visuais do parque lage, no Rio de Janeiro.Em parceria entre a SP-Arte 2015 e a Zahar, quem apresentar estes flyer impresso na bilheteria da SP-Arte ganha 50% de desconto no valor da entrada (não cumulativo com outros descontos).
Em O que é um artista?, Sarah Thornton mergulha nos bastidores do universo artístico acompanhando e entrelaçando grandes estrelas internacionais – como Jeff Koons, Ai Weiwei, Marina Abramovic, Maurizio Cattelan, Damien Hirst e a brasileira Beatriz Milhazes. Uma investigação poderosa e emocionante que humaniza e desmistifica a arte contemporânea.
Veja a programação:
SÃO PAULO
9 de abril, quinta, às 10h | SP-Arte | Talks – Arte como valor
Sarah Thornton discute como se constrói o valor e o preço de uma obra de arte e as variáveis que influenciam tendências e posicionamentos de artistas e coleções. A palestra está com os ingressos esgotados! Auditório do MAM, Parque do Ibirapuera, Portão 3.
9 de abril, quinta, às 16h | Lançamento oficial do livro
Lançamento oficial de O que é um artista? na SP-Arte, com sessão de autógrafos, no estande da Livraria Blooks.
Pavilhão da Bienal, Parque do Ibirapuera, Portão 3. Ingressos e outras informações em www.sp-arte.com.
RIO DE JANEIRO
10 de abril, sexta, às 19h
Bate-papo da autora com Charles Watson, professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e diretor do projeto Dynamic Encounters. O encontro gratuito acontece no auditório da EAV, com tradução simultânea e distribuição de senhas meia hora antes no local. Após o bate-papo, acontecerá uma sessão de autógrafos.
Leia um trecho do livro.
248pp
Preço livro impresso: R$ 59,90 Preço e-book: R$ 39,90
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza Revisão técnica: Bruno Moreschi
Por que você optou por 'tu' e 'vós' em vez de 'você', já que a ideia do livro é ter uma linguagem mais leve?
Esse foi um dos grandes dilemas no processo de tradução dos diálogos. Qual o nível que eu queria que o texto tivesse. Porque nenhum de nós está mais acostumado a usar tu e vós. Inclusive, verdade seja dita, eu, o editor, a preparadora, a revisora técnica e os revisores ficávamos o tempo todo pegando errinhos de conjugação verbal, de confusão entre as pessoas do singular e do plural etc. Levamos uma surra! Eu, pelo menos, me senti analfabeto e ignorante várias vezes... Mas optei por isso primeiro porque usar "você", já que eu estava querendo trabalhar com o texto original, não iria combinar muito bem. Por exemplo, como um personagem expressaria sua humildade perante o rei chamando Sua Alteza de "você"? Ia ficar estranho, moderno e fácil, sim, mas forçado. Se eu colocasse todo mundo se tratando por você, perderia as diferenças hierárquicas, as marcas de organização social que são importantes na peça. Além disso, percebi que a variação entre "tu"e "vós" tem um sentido dramático. Quando os personagens estão conversando civilizadamente, tratam-se de "vós", mas quando começam a brigar, passam a usar "tu", justamente para mostrar a falta de respeito, digamos assim.
Muitas vezes o Hamlet está tratando a namorada por "vós" e quando fica bravo, passa a chamá-la por "tu", porque ele perde o respeito por ela. Quando ele está transtornado, chama o fantasma do pai por "tu", mas quando está calmo, passa a chamá-lo com formalidade.
Por ser uma história muito conhecida, mesmo por quem nunca leu Hamlet, como prender o leitor até o fim sem grandes revelações?
Eu tomei o máximo de cuidado para não adiantar nada ao leitor. Quem não conhece a história pode ficar tranquilo, eu não dou spoiler nenhum. E, para quem já sabe como termina, entender o caminho que Shakespeare toma é o que faz a diferença.
“Vamos combinar: o Shakespeare é dureza. Quem passa por todos os obstáculos de sua leitura – o inglês arcaico que a tradução não ajuda, os termos que ninguém mais usa e obrigam a repetidas visitas ao glossário, as analogias difíceis de destrinchar – é recompensado com personagens imperdíveis, tramas fantásticas e a melhor poesia do mundo. O que o Rodrigo fez não foi Shakespeare para os simples, foi ajudar a vencer os percalços e ir direto ao inesquecível, o fantástico e o poético.
Hamlet depurado, um atalho para o encantamento.” Luiz Fernando Verissimo, Rodrigo Lacerda é um dos escritores mais talentosos de sua geração. Autor de livros de sucesso como "O Mistério do Leão Rampante", "O fazedor de velhos", "Outra vida" e "A República das Abelhas". Já recebeu diversos prêmios, entre eles o da Academia Brasileira de Letras, FNLIJ, Portugal Telecom e Jabuti. É membro do conselho editorial da Zahar.
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