Escritores F.C.

06/07/2018

por Ricardo Mattos

Acordei pensando que era o Tite. E escalei minha seleção preferida, com 11 craques da literatura nacional e internacional. Para merecer a convocação, não bastava esbanjar talento. Também era necessário já ter feito ao menos um texto inspirado no esporte bretão. Como sou brasileiro, privilegiei nossos compatriotas (a seleção é minha, não esqueça). São 8 no total, além de um uruguaio, um argentino e um inglês. Conheça o scratch.

 

Goleiro: Carlos Drummond de Andrade

É fácil imaginar os centroavantes justificando o placar em branco: “Professor, no meio do caminho tinha um goleiro. Tinha um goleiro no meio do caminho”. E poucos conseguiriam manter a concentração no jogo quando Drummond dissesse a seguinte frase: “Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério”.

 

Lateral direito: João Ubaldo Ribeiro

Sua posição exige fôlego. E ele tem de sobra: Viva o povo brasileiro, sua obra mais famosa, tem 640 páginas. Mas foi no conto “O futuro do futebol” que Ubaldo garantiu sua convocação: “Traçou um, traçou dois, traçou três, traçou quatro e arremessou rasteiro de canhota, sem chance de defesa para o famoso guarda-vala maragogipense Carrapato”. 

 

Zagueiro central: Rubem Fonseca

Em vez do velho xerifão, um delegado aposentado cheio de moral. Com um estilo reto, sem firulas ou meias palavras (mas com a elegância das frases perfeitas), Fonseca ainda possui munição de sobra. Em um conto ele fala sobre o cuspe do tricampeão Gérson, mostrando a diferença de saúde que existe entre craques e aspirantes.

 

Quarto zagueiro: Ruy Castro

Estudioso, ele conhece seus adversários como ninguém. Além disso, é o típico defensor que não inventa. Somente uma vez fizeram um golaço antecipando-se a ele. Isso foi em 1830, quando Stendhal lançou O vermelho e o negro, um retrato da França pós-revolução. Ou seja, quase 3 séculos antes de Ruy lançar um livro de mesmo nome, sobre o Flamengo.

 

Lateral esquerda: Eduardo Galeano

Crítico feroz da opressão no continente latino, o uruguaio notabilizou-se por ser contra a opressão também no futebol: “Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico: uma linda jogada, pelo amor de Deus!” Galeano é autor do livro Futebol ao sol e à sombra e está mais para rei do que mendigo.

 

Volante: Ricardo Piglia

Dono de um estilo forte e sem medo de cara feia, este argentino já combateu a ditadura em seu país. Portanto, dar o primeiro combate nos adversários vai ser moleza. Em um de seus contos, o jogador foi buscar a bola que havia saído de campo e acabou encontrando um cadáver, mas preferiu ficar calado para não atrapalhar a partida.

 

Meia-armador: João Cabral de Melo Neto

Uma das funções do camisa 8 é cadenciar o jogo, ditar o ritmo. Nessas horas, sensibilidade é tudo. Por esse motivo a escalação do nosso poeta é fundamental. Atento apreciador do futebol, João Cabral dizia que as raras vitórias dos times menores eram saboreadas como “coisa fresca, pele sensível, núbil, nova, ácida à língua qual cajá”

 

Ponta-de-lança: Nelson Rodrigues

Craque absoluto, ele enxergava o futebol como ele realmente é: repleto de drama, tragédia e redenção. Uma perfeita metáfora da vida. Cronista, romancista, dramaturgo e exagerado, Nelson é um camisa 10 com recursos infinitos. É dele a reveladora frase: “O Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada”.

 

Ponta direita: Luiz Fernando Verissimo

Quando pensam que ele vai escrever sobre política, Verissimo dá uma gingada e sai pelo humor. E vice-versa. Difícil definir seu estilo. Veloz no raciocínio, ele já deixou muito lugar-comum estatelado no chão. No livro Time dos sonhos: paixão, poesia e futebol, Verissimo brilhou de novo: “Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos o que você sentia aos 6.”

 

Centroavante: Lima Barreto

Solitário, órfão, boêmio e combatente das desigualdades sociais, o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma aprendeu desde cedo a se virar sozinho, qualidade perfeita para um centroavante. Em 1919 ele escreveu a crônica “Uma partida de football”. Eis um dos trechos: “Não há, portanto, nos nossos hábitos, fato mais agradável do que assistir a uma partida de bolapé.”

 

Ponta esquerda: Nick Hornby

Para furar a resistência de quem não gosta de ler, nada como um escritor habilidoso. O inglês Hornby é torcedor fanático do Arsenal e autor de Febre de bola, em que ele relata como começou sua grande paixão: “Eu me apaixonei pelo futebol como mais tarde me apaixonaria pelas mulheres: de repente, inexplicavelmente, sem aviso, sem pensar no sofrimento e nos transtornos que aquilo ia me trazer.”

 

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Ricardo Mattos nasceu no Rio de Janeiro, em 1968. Mora em São Paulo, é redator publicitário e já publicou na revista Placar.  

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