Leia a introdução de "Prisioneiros da geografia", de Tim Marshall

A geografia sempre moldou a nossa vida. O poder, as guerras, a política e o desenvolvimento social e humano, incluindo língua, comércio e religião, são delimitados pela geografia - e assim continua a ser, mesmo com os avanços tecnológicos. Jornalista e correspondente internacional, Tim Marshall começou a se interessar por geopolítica durante sua experiência de reportagem em áreas de conflito. Em Prisioneiros da geografia, ele explica a geopolítica global a partir de dez mapas centrais, que examinam as principais regiões estratégicas do globo: Rússia, China, Estados Unidos, Europa Ocidental, África, Oriente Médio, Índia e Paquistão, Japão e Coreia, América Latina e, por fim, o Ártico.

Analisando o clima e os mares, montanhas e rios, desertos e fronteiras, oferece o contexto e ferramentas para que possamos entender de que forma as características físicas de um território influenciam os seus pontos fortes e os vulneráveis - e as decisões que seus governantes tomam.

Leia um trecho!

 

Introdução

Vladimir Putin se diz um homem religioso, um grande defensor da Igreja Ortodoxa Russa. Nesse caso, é bem possível que ele vá para a cama toda noite, faça suas orações e pergunte a Deus: “Por que não pusestes algumas montanhas na Ucrânia?”

Se Deus tivesse posto montanhas na Ucrânia, a grande extensão de terras planas que formam a planície do norte da Europa não seria um território que tanto encoraja os repetidos ataques à Rússia. Sendo as coisas como são, Putin não tem escolha: deve pelo menos tentar controlar as regiões planas a oeste. Assim é com todas as nações, grandes ou pequenas: a paisagem aprisiona seus líderes, dando-lhes menos escolhas e menos margem de manobra do que se pode pensar. Isso valeu para o Império Ateniense, os persas, os babilônios e mesmo antes; e vale também para todo líder em busca de um terreno elevado a partir do qual proteger sua tribo.

O terreno em que vivemos sempre nos moldou. Ele moldou as guerras, o poder, a política e o desenvolvimento social dos povos que habitam hoje todas as partes da Terra. A tecnologia talvez pareça superar as distâncias entre nós no espaço mental e físico, mas é fácil esquecer que o terreno em que vivemos, trabalhamos e criamos nossos filhos é importantíssimo; e que as escolhas dos que dirigem os 7 bilhões de habitantes deste planeta serão sempre moldadas, em alguma medida, por rios, montanhas, desertos, lagos e mares que nos restringem – e sempre o fizeram.

Em geral não há um fator geográfico mais importante que outro. Montanhas não são mais fundamentais que desertos, nem rios mais relevantes que selvas. Em diferentes partes do planeta, diferentes características geográficas estão entre os fatores dominantes na determinação do que as pessoas podem e não podem fazer.

Em termos gerais, a geopolítica examina as maneiras pelas quais os assuntos internacionais podem ser compreendidos através de fatores geográficos; não somente a paisagem física – as barreiras naturais ou conexões de redes fluviais, por exemplo –, mas também clima, dados demográficos, regiões culturais e acesso a recursos naturais. Fatores como esses podem ter um importante impacto sobre aspectos diferenciados de nossa civilização, de estratégia política e militar a desenvolvimento social humano, incluindo língua, comércio e religião.

As realidades físicas que sustentam a política nacional e internacional são desconsideradas, com demasiada frequência, tanto quando se escreve sobre história quanto na cobertura contemporânea da mídia acerca dos assuntos mundiais. A geografia é claramente uma parte do “por quê”, bem como de “o quê”. Ela pode não ser o fator determinante, mas com certeza é o mais subestimado. Tome, por exemplo, a China e a Índia: dois países imensos, com enormes populações que compartilham uma fronteira muito longa, mas não são política ou culturalmente alinhados. Não seria de surpreender se esses dois gigantes tivessem se enfrentado em várias guerras, mas, de fato, afora uma batalha de um mês de duração em 1962, eles nunca o fizeram. Por quê? Porque entre eles encontra-se a mais alta cadeia de montanhas do mundo, e é praticamente impossível fazer avançar grandes colunas militares através ou por cima do Himalaia. É claro que, à medida que a tecnologia se torna mais sofisticada, estão emergindo formas de superar esse obstáculo, mas a barreira física continua sendo um freio, e assim ambos os países concentram sua política externa em outras regiões, enquanto se mantêm de olho um no outro.