Leia um trecho de "Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do grupo X", best-seller de Malu Gaspar

08/07/2022

“Aventureiro”, “playboy” e “vendedor de sonhos” são algumas das expressões a que o nome de Eike Batista já esteve associado. Com planos mirabolantes ou megalômanos, o “Indiana Jones brasileiro” construiu um império que ruiu tão espetacularmente quanto havia crescido. Figura desde sempre controversa pela impetuosidade — ou pela temeridade — de seus projetos, conseguiu ainda assim angariar confiança dos mercados a ponto de seu grupo de companhias figurar entre as empresas brasileiras de maior valor na bolsa, o que o catapultou à posição de sétimo lugar entre os mais ricos do mundo em 2012.

Fruto de extensa investigação jornalística, que abarca depoimentos de funcionários, advogados e banqueiros, entre outras testemunhas da história, Tudo ou nada revela os bastidores, os segredos e o modus operandi do grupo X, de seu nascimento à bancarrota, e radiografa a excêntrica biografia de seu criador. 

Ao minucioso exame do universo X não escapam as artimanhas para engrupir o mercado, as negociações com os investidores estrangeiros, as relações subterrâneas com a classe política e tantos outros fatores que fizeram a letra de Eike Batista tão conhecida e, mais tarde, desacreditada no setor financeiro.

Publicado pela primeira vez em 2014, este best-seller é reeditado com posfácio inédito. 

A seguir, você confere o prólogo de Tudo ou nada

 

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Prólogo

Eike Batista entrou na ampla sala de reuniões acompanhado de dois assessores. Vestia terno e tinha a barba por fazer. Sua expressão estava carregada, porém estranhamente tranquila. O sorriso de garoto-propaganda de creme dental se transformara num esboço no canto da boca, macerado pelos últimos meses de agonia pública. 

Depois de cumprimentar alguns dos conselheiros, sentou-se à mesa e passou os olhos ao redor. Sabia que aquele encontro fecharia um capítulo de sua trajetória. Estava preparado para perder poder na companhia. Já havia vendido um bom naco de suas ações nos últimos meses. Tinha consciência de que o momento era péssimo, mas, no íntimo, até já fazia planos para retornar com toda a força. Só não foi capaz de antecipar o que viria a seguir. “Eike, você está fora. A partir de hoje, você não manda mais nesta companhia. Os credores vão assumi-la e eu vou representá-los. E, se você ousar reivindicar qualquer indenização, vamos te processar.” 

Ele arregalou os olhos verdes e encarou o interlocutor, mas não opôs resistência. Pelo contrário. Baixou a cabeça e ficou em silêncio. Não havia mesmo nada a ser dito. O Midas brasileiro, o homem que tinha a incrível capacidade de multiplicar o dinheiro dos acionistas, chegara ao fim da linha. De nada adiantava, ali, diante de credores e acionistas furiosos, argumentar que, antes daquela crise, ele já fizera muita gente rica; que vários de seus empreendimentos haviam sido comprados por grandes e poderosas companhias; que sua ousadia abrira campo para inúmeros outros empreendedores; ou, ainda, que fora tão vítima das circunstâncias quanto todos eles. Para quem tinha assistido impotente ao valor de seus papéis ser reduzido a centavos, parecia óbvio que, enquanto Mr. Batista estivesse à frente, a sina da companhia seria derreter até a completa desintegração. 

O outrora celebrado toque de Midas se transformara em maldição. Ninguém mais ria de suas piadas nem o cortejava com regalias. Ninguém mais lhe pedia conselhos de negócios. Já havia algum tempo que ele parara de dar entrevistas, porque, nas últimas, os jornalistas que antes o incensavam o tinham retratado como um lunático. Suas aparições públicas, outrora frequentes e exuberantes, verdadeiros shows de audiência, estavam restritas a ambientes seguros, protegidos de possíveis apupos de descontentes. Parecia óbvio que era preciso tirá-lo do comando antes que não sobrasse mais nada a ser vendido para pagar as dívidas. Depois daquele ultimato, Eike Batista assinou uma carta de renúncia e deixou o conselho da empresa que criara do nada e que transformara em fenômeno, símbolo de seu poder e de sua genialidade. Ladeado pela meia dúzia de escudeiros que ainda lhe eram fiéis, rumou de volta para casa — e de volta à estaca zero. 

Embora pareça incrivelmente atual, o episódio acima não aconteceu no Brasil. Ocorreu em Toronto, capital financeira do Canadá, no nem tão distante ano de 2001.1 Foi nesse país estrangeiro que Eike experimentou pela primeira vez a glória e o fracasso, com a mineradora de ouro tvx. O enredo canadense de sua ascensão e queda guarda uma impressionante semelhança com a novela empresarial testemunhada ao longo de 2013 por milhões de brasileiros estarrecidos. Quando o império X — o conglomerado de empresas de mineração, logística, energia e petróleo criado por Eike ao longo da década anterior — tombou à bancarrota, causando um estrago na bolsa de valores brasileira, a perplexidade foi geral. Como Eike Batista — o homem que personificara um momento de esplendor do capitalismo nacional, que construíra uma das maiores fortunas do planeta e fora celebrado pelos maiores nomes do mercado financeiro mundial, e cuja queda no primeiro ano do século xxi era desconhecida — pôde ir à lona de forma tão fragorosa? 

Para grande parte do público, era ao mesmo tempo surpreendente e frustrante que as empresas X — construídas a partir de planos ambiciosos e com uma rara combinação de visão de longo prazo e faro apuradíssimo para oportunidades — fossem afinal apenas projetos incompletos e repletos de problemas. As explicações de praxe foram dadas. Eike era fruto de uma bolha e estourava com ela. Ou seria produto do farisaísmo petista, dissolvendo-se de mãos dadas com a economia brasileira. Para uns, era simplesmente um estelionatário que roubara os acionistas e queria sair ileso da história. Para outros, vítima de seu complexo de grandeza e de sua fé no Brasil, um barão de Mauá dos tempos modernos, alguém a quem não se podia atribuir qualquer laivo de má-fé.

Nenhuma das possibilidades anteriores basta para explicar a ascensão e a queda do grupo entre 2006 e 2013. Só esmiuçando os bastidores dessa saga empresarial alucinante e única — produto de um momento inédito na história do país, mas também de uma personalidade complexa e controvertida — é que se pode formar uma compreensão mais completa do fenômeno. 

Pela primeira vez em décadas, o Brasil concentrava os holofotes no palco econômico mundial. O mercado do país — o melhor palpite para aqueles que acreditavam na emergência de um novo e poderoso ator econômico — foi um dos mais irrigados pelo excesso de liquidez que tomou conta do mundo até 2008 e um dos mais privilegiados protagonistas do superciclo de valorização das commodities e das economias emergentes que se seguiu à crise daquele ano. O Brasil, ademais, elegera um presidente de esquerda que se dava bem com o mundo financeiro. O país estava com tudo. 

Eike Batista, com sua insaciável sanha empreendedora, era o homem certo, no lugar certo e na hora certa. Tinha projetos para vender a quem não encontrava o que comprar, sabia jogar o vale-tudo dos mercados, operava segundo a lógica dos mais ousados apostadores de Las Vegas e não se submetia aos mesmos filtros que a maior parte dos empresários tupiniquins. A crônica de seu fracasso canadense mostra que ele sempre foi o mesmo. O Brasil é que mudou. Quando a janela histórica favorável se abriu, Eike pulou para dentro e fez o que sabia fazer. 

Confiava tanto no próprio poder que imaginava ser possível parar o tempo ou conseguir, na última hora, uma reviravolta que impedisse as duras verdades de virem à tona. O tempo, contudo, não parou, o portal se fechou, e a realidade o castigou de novo, como na década anterior. 

Contar a história de Eike e do império X é desnudar um dos personagens mais ricos e controversos de nossa história recente. Uma história que é ao mesmo tempo metáfora de um país e lição para o futuro. Um país que se pretende especial, moderno e sofisticado, mas que se apoia em vícios de todo tipo para seguir adiante. 

Quem é Eike Batista? Um mentiroso compulsivo ou um empreendedor genial? Um nacionalista empenhado no progresso do país ou um egocêntrico sem limites e sem moral? Um homem à frente do seu tempo ou um estelionatário? 

São essas as perguntas a que busquei responder nas páginas a seguir.

 

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