O Escritor

19/09/2017

É o dia do lançamento do Prêmio de Originais Enviados Com Pseudônimo E Se Vencedores Publicados por uma Grande Editora. Pedro — que surpreendeu a todos por ser um homem de vinte anos com pseudônimo feminino — logo mostrou a que veio. Estudante de Letras, ele fica bem nas fotos, na calça jeans skinny que molda bem seu derrière, pezinhos docemente acomodados em botinhas Doc Martens. Como se estivesse em uma passarela, o mocinho de vinte anos — recém-feitos! — desfila pelo seu próprio coquetel cumprimentando e agradecendo elogios com muitos sorrisos, a balançar os quadris para lá e para cá, para lá e para cá. Escondia o nervosismo com o andar tão leve e brilhante quanto o couro em sua jaqueta.

Pedro iniciou no mundo literário com um livrinho de contos, em geral não muito populares, ainda mais em ficção nacional. Mas as poucas representantes da fauna feminina no evento não decepcionaram o restante da matilha. Viraram o pescoço para o moreno e acompanharam, atentas, ao primeiro boa-noite cantado do escritor na mesa de abertura do lançamento. Algumas nem disfarçaram. Suspiraram quando Pedro cruzou as pernas durante sua fala e ficou com vergonha de haver usado ângulos demais ao responder uma pergunta feita pela mediadora. Uma gracinha.

Pedro precisou de exatos seis meses para virar assunto entre escritoras. E dois anos para alcançar status singular no meio literário. Era amado por elas, mas recebia olhares não tão amigáveis deles. Apesar de sua juventude, revelava-se seguro e independente. Jamais se gabava de ler livros que nunca tinha lido, uma raridade entre homens. Estava atualizado com o que se publicava, disposto a aprender, opiniões afáveis. Sabia o que fazia, esse Pedro.

Se dependesse da mulherada, o agora Pedrinho tinha lugar assegurado nas maiores constelações estelares e o que mais Neil deGrasse Tyson sugerisse. Era um tal de convitinho para mesinha aqui, uma cervejinha ali, que, deve-se admitir, às vezes, até ficava chato. "Se precisar de algo, é só falar, viu?". "Olha, você não precisa mandar e-mail para meu estagiário não, manda direto para esse aqui." Por sua popularidade, Pedrinho ganhou um Jabutizinho por seu livrinho de historinhas. E usou a mesma calça skinny na premiação. E respondia com sorrisos e mais sorrisos! Uma graça, o moço.

Pedrinho tinha apenas dois grandes defeitos: o namorado. Ninguém nunca o conheceu pessoalmente, mas tinha nome, sobrenome, perfil no Facebook, conta no Instagram e podcast sobre lançamentos de tecnologia e videogames. Nunca comparecia ao lado dele para protegê-lo das mais assanhadas, nas saídas pós-mesa ou no Boteco da Moda dos Escritores. Ele servia para que o moçoilo mantivesse sua integridade protegida dos mais afoitos. Pedrinho também o usava para acalmar os avanços nas redes sociais, daqueles que vinham opinar sobre a mudança de sua cor de cabelo (o novo tom de ruivo era "pouco literário"), sobre sua mudança de peso ("espero que saiba que para mim você não é um escritor gordo, mas sim voluptuoso"). Quem questionava sobre a presença física do sujeito acabava ouvindo, com biquinho e tudo, que ele “trabalhava em horários estranhos, nem sempre podia vir”.

O ponto alto foi quando Pedrinho assinou um contrato com uma editorazinha ainda maiorzinha, e precisou fazer fotos com maquiagem de caveira estilo Día de Muertos, que ressaltavam seus lábios voluptuosos e seus belos olhos castanhos. Lindas fotos, algumas sem camisa. Seu stories do Instagram gerou uma série de printscreens. No entanto, o livro acabou se tornando um best-seller, o que era uma péssima notícia.

Quando assinou o contrato de tradução para mais de quinze países, Pedrinho começou a frequentar outros grupos. Assim, sem mais nem menos. Contou que sempre quis escrever roteiros para televisão, e a oportunidade havia chegado. E sumiu da vista do Boteco da Moda dos Escritores. Várias colegas ficaram deprimidas. O mocinho, porém, logo seria esquecido. O loiro Thiago, gaúcho formado em Letras, dava logo em seguida o ar da graça. Lançando seu romancezinho de estreia, ele acabou de me mandar um e-mail pedindo o endereço para enviar seu original. Só se mandar nudes junto.

(Nota: este texto é uma sátira à crônica “A Estagiária”, publicada em 11/09/2017 no Correio Braziliense. O meu é irônico.)

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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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