O ir e vir de Orie

É sempre uma sensação aqui na editora quando chegam da gráfica os livros da Pequena Zahar. Já conhecemos as imagens, o texto e o projeto gráfico antes de as obras aterrissarem em nossas mesas, claro, mas mesmo assim nos emocionamos. Esse foi e continua sendo o efeito da chegada de Orie, da talentosíssima Lúcia Hiratsuka.

Com frases curtas e delicados traços em carvão e grafite no papel craft, o livro sobre a história da pequena Orie é uma homenagem à avó de Lúcia, que tinha o mesmo nome e também era filha de barqueiros no Japão. Ela costumava contar à neta suas lembranças da infância e as viagens de barco com os pais.

Nascida em 1960, no sítio Asahi (em Duartina, interior de São Paulo), Lúcia Hiratsuka é autora de diversos  livros infantis, pelos quais recebeu importantes prêmios como o Jabuti de ilustração. Nessa entrevista, ela fala um pouco sobre sua trajetória artística e seu processo de criação.

Sua avó costumava lhe contar lembranças da infância dela no Japão e esse livro é claramente influenciado por essas histórias. Como foi transpor esse universo de memórias afetivas para o livro?

Minha avó Orie contava os acontecimentos com muitos detalhes e eu conseguia visualizar as imagens. Assim, ficou guardado comigo a cena da menininha junto aos pais num barco, encantada com a cidade e com tudo o que via. Como seria o início de um livro? Imaginei a menina correndo para chegar até o barco e logo atrás os pais. E como finalizar? Perto dos 100 anos, minha avó contou mais uma passagem da sua infância e me presenteou com o que seria o final do livro [Orie faleceu aos 104 anos, em 2007].

Sempre busco algo muito particular para falar de um sentimento. O sentimento não tem fronteiras. No caso da Orie, é o encanto das descobertas na infância e o momento precioso de estar com os pais.

Vou experimentando os ritmos da narrativa, os materiais para ilustrar, e testando até achar um jeito único de contar a essência daquela ideia.

Fale um pouco sobre seu processo de criação. O que vem primeiro, o texto ou as ilustrações? Quanto tempo você levou para criar Orie?

Eu queria construir um LUGAR que lembrasse o colo da mãe, o calor da terra. Por isso me ocorreu de usar o craft para dar certa rusticidade e optei por riscar em grafite, carvão e pastel seco.

Simultaneamente ao desenho, comecei a escrever o texto. Busquei uma forma poética de narrar, com frases simples, como “O barco parece um ninho. Pai, mãe, Orie, que nem passarinho.” Em muitos momentos é o olhar da menina – “O remo de bambu vai e vem, vai e vem”.

Entraram também nas ilustrações algumas referências da minha memória: os eucaliptos, os balaios, os objetos embrulhados em lenços, o lenço que minha mãe e as vizinhas usavam debaixo do chapéu para se protegerem do sol. E busquei a naturalidade das expressões faciais e corporais para passar as emoções da personagem.

Em 2010, eu narrei o enredo para uma amiga ilustradora e ela se emocionou. Aí, tive certeza de que era uma história forte. Em seguida, contei para a Dolores Prades [consultora editorial da Pequena Zahar] que, ao saber o nome de minha avó, disse: “Esse livro tem que se chamar ORIE!”

A partir disso, comecei a colocar tudo no papel, preparei o protótipo do livro – importante para sentir o fluxo da narrativa. E fui retrabalhando, cortando o texto, mudando o desenho, mostrando pros amigos... De lá pra cá já se foram quatro anos. Na troca com a equipe do editorial, ajustamos os detalhes, inclusive a tipologia do título que foi desenhado em pincel. Assim nasceu Orie.

Como foi sua trajetória como artista e como chegou até essa técnica de traços tão delicados? Qual material utiliza para chegar a esse resultado?

Quando era criança, uma vez por mês, meu pai voltava da cidade com um pacote de papel pardo. Dentro tinha livros que vinham do Japão, recheados de figuras e histórias. E eu sonhava que um dia queria trabalhar com isso.

Depois de terminar a Faculdade de Belas Artes de São Paulo, tive a oportunidade de estudar um ano no Japão sobre os livros ilustrados. E frequentei ateliers de pinturas, aulas de Literatura Infantojuvenil na USP, oficinas e laboratórios literários por muito tempo.

Nesses aprendizados chegou a vez do sumiê e do haicai que me fizeram buscar o simples e o essencial. Acredito que o sumiê, por exigir que se conheça bem o objeto a ser retratado, com uma pincelada solta e precisa, me influencia também nos traços em carvão e grafite.

 

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