O que eu diria para uma adolescente surtando

18/07/2017

Eu andava pensando em escrever um texto sobre acabar o Livro Novo em Inglês, que terminei semana passada. Pensando em fazer um pequeno tratado sobre como falta pouco para acabar o Livro Novo em Português, que devo acabar até meio de agosto. Estava pensando em escrever sobre voltar para casa da Irlanda e o conceito de “casa”, “lar".

Mas recebi uma mensagem no Instagram.

Eu tinha postado uma foto. Nela, eu comemorava o fato de que uma colega tinha enfim se mudado para um apartamento com televisão de tela plana e, enfim, tinha comprado um PlayStation 4. A mensagem era de uma menina perguntando e estou citando:

“Desculpa brotar aleatoriamente enchendo o saco, mas o que você diria para uma garota de 13/14 anos que quer ser escritora e está literalmente freaking out por não saber como começar?”

Resolvi que as reflexões poderiam esperar um pouco, ao contrário de uma adolescente freaking out. Já falei um pouco sobre as coisas que aprendi como escritora em outros blogs (vide este post no blog do Escriba Encapuzado). E uma resposta é difícil para qualquer pessoa que já entrou em contato com o meio literário. Vou resumir os pontos que acho mais importantes e ir para os particulares. As observações a seguir valem para qualquer pessoa que queira escrever.

1. Acima de tudo, leia muito. Mais do que querer ser escritora, você tem que ler. Se você não gosta de ler, é um momento importante para pensar se quer escrever.

2. Não existem respostas definitivas. Não fetichize a jornada alheia. As rotas mudam de mês a mês, e o que funcionou para mim pode não funcionar para você.

3. Tenha paciência. Muita paciência. Tudo demora, exceto se você já for o Paulo Coelho.

Esses três “conselhos” do alto da minha inexperiência são ideias que acho que facilitam a jornada de “querer ser escritor”. Porque a ideia de “querer ser escritor” é complicada. Se você escreve, você é um escritor, não?

Esse resumo abarca muita coisa que tive que aprender. Publicação não vai resolver absolutamente nada em termos de insegurança e surtos (“tenha paciência”). Você precisa curtir o ato de escrever e ler mais do que ficar sonhando acordado sobre o que fazer depois.

E não me entendam mal: eu tenho surtos sobre o que fazer depois. Estou terminando o Livro Novo em Português e vejo que o número de páginas está bem acima do que eu imaginava (pouco mais de duzentas páginas de Word, o que, conforme a diagramação, pode dar umas quatrocentas páginas em livro). E aí faço contas e refaço e cogito e-mails para minha agente, para meu editor, tenho surtos de o que fazer depois. Questiono se daqui a pouco não vão me matar por um calhamaço, se sequer vão querer publicar.

Mas o que sempre resolveu as ansiedades em relação ao mundo da escrita foi escrever. Para mim, muito da ansiedade sobre escrever é resultado de procrastinação. Vá escrever, sem inspiração, sem nada. Abre um arquivo, descreve um som da rua, acha uma citação interessante. Vai ler. Com um livro pronto, se pensa no resto. E isso vale para autores não publicados, diga-se de passagem. Muitas vezes, alguns me contatam pedindo e-mail do Luiz Schwarcz porque “estão pensando em escrever um livro”. Tem tantos problemas na frase que nem sei explicar.

Pronto. Esses são os conselhos para quem está “pensando em ser escritor”. Não pense tanto em ser escritor. Por exemplo, uma pessoa que quer ser médica deveria passar mais tempo cuidando de pacientes ou pensando em qual seria o melhor lugar para fazer residência? Claro que ela tem que pensar em onde fazer residência, mas quando o momento chegar. Não antes.

E aí entra a questão da mensagem no Instagram sobre freak out, sobre surtar, da menina. Se você quisesse ser médica, você estaria surtando? Talvez por outros motivos. Mas até terminar o Ensino Médio, a jornada padrão é a mesma. Então siga escrevendo. No meu caso, eu era tão tímida que escrevia fanfics anônimas. Minha professora de português não gostava do que eu escrevia. Era confuso. Mas eu gostava de escrever. Entrei numa Oficina de Criação Literária, na PUC-RS, e as coisas foram se encaixando. Mas talvez não haja uma oficina onde você mora. Talvez você precise achar a sua própria solução.

A ideia de “ser escritor” é pesada demais. Eu mesma até hoje preencho formulários com “estudante” — “tradutora”, se muito. Talvez você só tenha que continuar escrevendo por enquanto. É a parte mais constante do trabalho. Mas se você estiver freaking out mesmo, DragonAge: Inquisition ajuda bastante a distrair.

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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

 

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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