Aos atletas
Os poetas haviam composto suas odes
para saudar atletas vencedores.
A conquista brilhava entre dois toques.
Era frágil e grácil
fazer da glória ancila de nós todos.
Hoje,
manuscritos picados em soluço
chovem do terraço chuva de irrisão.
Mas eu, poeta da derrota, me levanto
sem revolta e sem pranto
para saudar os atletas vencidos.
Que importa hajam perdido?
Que importa o não-ter-sido?
Que me importa uma taça por três vezes,
se duas a provei para sentir,
coleante, no fundo, o malicioso
mercúrio de sua perda no futuro?
É preciso xingar o Gordo e o Magro?
E o médico e o treinador e o massagista?
Que vil tristeza, essa
a espalhar-se em rancor, e não em canto
ao capricho dos deuses e da bola
que brinca no gramado
em contínua promessa
e fez um anjo e faz um ogre de Feola?
Nem valia ter ganho
a esquiva Copa
e dar a volta olímpica no estádio
se fosse para tê-la em nossa copa
eternamente prenda de família
a inscrever no inventário
na coluna de mitos e baixelas
que à vizinhança humilha,
quando a taça tem asas, e, voando,
no jogo livre e sempre novo que se aprende,
a este e aquele vai-se derramando.
Oi, meu flavo canarinho,
capricha nesse trilo
tanto mais doce quanto mais tranquilo
onde estiver Bellini ou Jairzinho,
o engenhoso Tostão, o sempre Djalma Santos,
e Pelé e Gilmar,
qualquer dos que em Britânia conheceram
depois da hora radiosa
a hora dura do esporte,
sem a qual não há prêmio que conforte,
pois perder é tocar alguma coisa
mais além da vitória, é encontrar-se
naquele ponto onde começa tudo
a nascer do perdido, lentamente.
Canta, canta, canarinho,
a sorte lançada entre
o laboratório de erros
e o labirinto de surpresas,
canta o conhecimento do limite,
a madura experiência a brotar da rota esperança.
Nem heróis argivos nem párias,
voltam os homens—estropiados
mas lúcidos, na justa dimensão.
Souvenirs na bagagem misturados:
o dia-sim, o dia-não.
O dia-não completa o dia-sim
na perfeita medalha. Hoje completos
são os atletas que saúdo:
nas mãos vazias eles trazem tudo
que dobra a fortaleza da alma forte.

futebol — taro da massa.
Futebol — taro da massa. o não quero nem saber das classes populares. bicha: amo Rivelino. jogos da copa = maior superprodução brasileira. Grã-fina esquerdistex: vai aparecer um dia um Pelé como Cassius Clay. a vida pacata do toureiro espanhol. a revolução não pode ser dominada pelos reformistas (a respeito dos comentaristas de futebol na copa do mundo intersaltIII) há um país lutando por baixo com a bola nos pés caminho do gol metendo as caras pra conseguir no peito. o jogador: sou safado o cara no Brasil não sobrevive se não for malandro. aventura da linguagem. a pilantragem do senhor tigre. tudo afinal se passa no plano da lingua - gem. tudo afinal se passa como um plano da aventura da linguagem.

A garota medalha
a garota medalha é a garota das medalhas
ganha a vida entregando medalhas
nas competições de natação
é um trabalho como outro qualquer
e pode ser bem divertido se as outras garotas
forem do tipo que sabem se divertir
os atletas não se divertem porque estão
concentrados e precisam vencer
nem todo atleta sabe dar valor às garotas medalhas
ser garota medalha é apenas um dos trabalhos
da nossa garota medalha — neste mês
ela também será a garota animadora na festa
uma festa na madrugada do dia vinte e cinco
ganhará quase dez vezes mais do que ganha
sendo a garota medalha, mas não terá tempo
tempo pra sentar e conversar — a garota medalha
teve oito empregos diferentes durante este ano
mas este ano não acabou
a garota medalha ganhará um vestido vermelho
pra trabalhar na tal festa — fazer parte
de um momento de vitória é fazer parte
de um momento de beleza
a garota da medalha é comprovação da beleza
e da sorte — a beleza não é a sorte e não é a inteligência
um atleta precisa ser inteligente
a garota medalha tem família, mas eles não são daqui
a garota medalha acordou — a beleza, o vestido, a festa
a garota medalha se esforça: nossa garota medalha
a beleza é um presente

salto ornamental
os poucos segundos diante da câmera
não fariam jus aos anos (uma vida
inteira) de ensaios e dores musculares
e alimentação regrada e tantas outras privações
os poucos segundos mostram
a atleta no trampolim
ela se prepara para o salto
ornamental que quem sabe
vai lhe render uma medalha
uma vaga na olimpíada
a consideração de alguém tanta coisa
o treinador apreensivo finge
tranquilidade no telão
vai dar certo já fizemos isso infinitas vezes
ela se prepara para o mergulho
pensa que o melhor é não pensar
em nada transmitir coragem e autoconfiança
os fotógrafos bastante entediados
sem conseguir entender o que dá
a certos atletas um décimo a mais um a menos
no fim das contas é só um pulo na piscina
a não ser que erre feio
que caia de costas ou de barriga
que uma perna vá pro lado
que um braço não fique junto ao corpo
a não ser que o mergulho seja bruto
e suba muita água a não ser que seja
algo menos que perfeito
o passo de dança ensaiado em cada milímetro
que começa com um sorriso e termina
com a piscina recebendo a atleta sem alarde
sem ondas na água quase
como se nada tivesse acontecido
a atleta se prepara é dada a largada
na hora do salto sabe-se lá
o que se passa na cabeça
enquanto finge não passar nada
em sua concentração budista e sua serenidade
ela corre com destreza no trampolim
e mergulha na água de cabeça
sem o mortal as três piruetas a manobra prevista
que treinou a vida toda e lhe valeria
uma medalha ou anunciantes ou um aumento
sobretudo a admiração de alguém
ela esquece
não teve vontade
deu um branco vai entender
mergulhou de cabeça na água
assim como se estivesse de férias
no telão a expressão incrédula do treinador
o zero gordo dos jurados
os fotógrafos finalmente entretidos

olho para o pio luminescente
enquanto a chuva escorre na vidraça
e nos ofusca, tontos de tanta luz.
tudo se deixa ver mais claro:
continuamos a contemplar a silenciosa natação
/do outro.
em versos, a vida cobre o pátio
/com estátuas brancas
e atravessa a sala; deitando na vitrola.
navego solto na corrente, rumo
/ao esquecimento vagaroso
da luta, do carrossel, do circo inteiro.
da janela, a ave migratória.
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