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O melhor quadrinho que eu li em 2018 foi The Perineum Technique, de Ruppert & Mulot (edição da Europe Comics, tradução de Jessie Aufiery). Na primeira cena, um casal está no alto de um monólito gigantesco, quilômetros de altura. Cada um tem uma espada. Os dois se atiram lá do alto. Durante a queda, tiram as roupas. Nus, enfiam as espadas no monólito para retardar a queda. As linhas que as espadas deixam no monólito fazem ondas, afastam-se, aproximam-se, cruzam.
“Vai gozar?” “Vou.” “Eu também.”
O fim do monólito é um lago. A queda dos dois levanta bolhas gigantes. Os dois flutuam sobre o LAGO, atacando as bolhas com as espadas, rasgando-as ao meio. Eles têm pressa, ficam ofegantes, precisam atacar quantas bolhas puderem. Caem na beira do lago e conversam mais um minuto enquanto os pingos caem ao redor.
Se já se fez uma cena de sexo melhor nos quadrinhos, me mandem.
Pensando melhor, não, não me mandem.
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O melhor quadrinho que eu li em 2018 foi Inuyashiki, de Hiroya Oku (Panini, tradução da Lídia Ivasa). E aqui eu admito um pouquinho de nostalgia por histórias de super-herói arroz com feijão – sem desconstrução, sem paródia, sem metalinguagem, sem referência a outras HQs – e que eu não encontro há umas boas décadas. Tem lá seus tons de cinza, mas é bem contra o mal. O espanto é quando uma história dessas consegue te convencer de que, talvez, o bem não vença o mal.
Inuyashiki é lenta. Oku separa páginas e páginas de pequenos movimentos ou personagens contemplativos. De repente, acelera. Um velhinho sai voando com propulsores nas costas. Celulares matam usuários. Um vasto panorama de Tóquio vista do céu. Asteroides no espaço. Explosões. Uma pena ser o mangá mais curto das bancas.
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O melhor quadrinho que eu reli em 2018 foi Cinco mil quilômetros por segundo, de Manuele Fior (Devir, tradução de Renata Leitão). Reli mais de uma vez durante o ano, aliás. O melhor quadrinho que eu reli em 2018 foi Uma irmã, de Bastien Vivès (Nemo, tradução de Fernando Scheibe). E ainda penso na Hélène arumando o cabelo.
Li La Casa, de Paco Roca (Astiberri), sobre filhos que preparam a venda da casa do pai falecido, na semana em que coloquei a casa dos meus pais à venda. Acabei os 11 volumes de The Drifting Classroom, de Kazuo Umezu (Viz), o clássico sobre o futuro que a gente vai deixar para as crianças e sobre como os adultos são inúteis, poucos dias antes de ganhar um filho. Li Lydie, de Jordi Lafebre e Zidrou (Europe Comics, tradução de Mercedes Claire Gilliom), quando queríamos engravidar. Li e reli Por muito tempo tentei me convencer de que te amava, de Thiago Souto (Balão Editorial), com saudade de São Paulo. Li A origem do mundo, da Liv Strömquist (tradução de Kristin Lie Garrubo), durante as eleições, sem saber se ainda haveria quadrinhos iguais a este.
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O melhor quadrinho que eu li em 2018 foi Young Frances, de Hartley Lin (Adhouse Books). Que é mais uma daquelas histórias de gente de 20 e poucos anos descobrindo o fastio da vida adulta urbana, vide Dan Clowes, vide Adrian Tomine, vide cinema indie dos anos 1990. Se bem que os personagens não têm 20 e poucos, mas quase 30, quando está na hora de pensar em carreira e futuro.
Acho difícil explicar o que tem de envolvente nessa história de uma advogada em início de carreira, desenhada tintinescamente, numa narrativa sem as metáforas visuais de um Perineum ou o espetáculo de Inuyashiki. Sem firulas, crua, simples. Gosto justamente porque eu não sei explicar.
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Érico Assis é tradutor e jornalista. Mora em Pelotas e contribui mensalmente com o blog com textos sobre histórias em quadrinhos. Foi editor convidado de O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015 (editora Narval). Traduziu para a Quadrinhos na Cia., entre outros, Garota-Ranho e Minha coisa favorita é monstro. http://ericoassis.com.br/