
Três irmãs: a história da China a partir da vida de três mulheres fortes
Por Juliana Leuenroth*
Monarquias destituídas, revoluções republicanas, conflitos entre províncias, guerras entre partidos políticos, governos totalitários: a história da China no último século é povoada de reviravoltas. Nos bastidores de todas essas mudanças estavam as irmãs Soong — Ei-ling, Ching-ling e May-ling —, retratadas na recém-lançada biografia Três irmãs, de Jung Chang.
Nascidas no fim do século XIX (1899, 1893 e 1898, respectivamente), numa sociedade em que as mulheres eram submissas e ainda se tinha o costume de amarrar os pés para que ficassem pequenos, os chamados pés de lótus, as três irmãs tiveram uma formação muito diferente do considerado normal.
O patriarca, Charlie Soong, ex-missionário e rico comerciante, fez questão que todos seus filhos estudassem nos Estados Unidos e se formassem em universidades de lá. Até mesmo as mulheres, o que na época era inconcebível para boa parte da sociedade chinesa.
Vindas de família rica, com educação secular e ideais republicanos, as três mulheres ganham destaque na sociedade chinesa do início do século XX. As irmãs passam a circular entre o meio político, pois Charlie era um entusiasta do partido republicano e contribui para o movimento. É neste contexto que as irmãs conhecem seus futuros maridos, o que muda o curso de suas histórias.
Ching-ling casa-se com Sun Yat-sen, líder do movimento e que recebe a alcunha de “Pai da China”. May-ling, a Irmã Mais Velha, casa-se com Chiang Kai-shek, sucessor de Sun e que governa o país por mais de 20 anos. Ei-ling, a Irmã Mais Nova, casa-se com o empresário H.H. Kung, que por muitos anos foi Ministro das finanças do governo Kai-shek.
Comumente tratadas como meras esposas, o livro de Jung Chang toma um rumo diferente e mostra que elas eram muito mais do que isso. Como grandes personalidades políticas, as irmãs tinham poder de participar de eventos importantes e ter seus conselhos e opiniões ouvidos e acatados. Ao longo da narrativa, percebemos como as três estavam presentes em grande parte das decisões do país. Ao mesmo tempo altivas e carismáticas, eram a imagem dos governos que representavam e eram queridas pelo povo.
Em sua introdução, a autora diz: “O relacionamento entre as três mulheres era emocionalmente pesado, e não só porque Ching-ling trabalhava ativamente para destruir a vida das outras duas”. E o passar dos acontecimentos mostram a força das convicções dessas mulheres e até onde elas foram para honrá-las.
A narrativa mostra a relação amorosa entre as irmãs, sempre trocando conselhos e apoiando a vida pública da outra. E como, aos poucos, as convicções políticas começam a se sobrepor a elas, até chegar ao rompimento completo com a Revolução Comunista. Chin-ling torna-se vice presidente de Mao Tse-tung e as irmãs precisam fugir com suas famílias para Taiwan. O que impressiona neste momento da história é que não houve briga ou disputa entre elas, o afastamento aconteceu como algo natural e, mais uma vez, as irmãs demonstraram sua altivez e o seu poder de conduzir o povo, ainda que em caminhos opostos.
O livro acompanha a trajetória de três mulheres notáveis, que em muitos outros registros são tratadas como meros símbolos ou acompanhantes de políticos chineses. Mostra como a dinastia Soong está intimamente ligada às mudanças pelas quais a China passou, e não foram poucas. A partir da história de cada uma delas, temos um panorama da China moderna do século passado nos bastidores e na frente dos palanques. Três irmãs apresenta três mulheres fortes, influentes e conscientes de seu poder.
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Juliana Leuenroth é co-criadora do Projeto Leia Mulheres (presente em mais de 130 cidades por todo o Brasil) e mediadora do clube em São Paulo. Formada em jornalismo, atualmente cursa Letras - Alemão na USP. Fala de livros e leitura na internet desde 2010. Pode também ser encontrada no podcast O nome do Livro, no blog O Espanador e está sempre digitando rápido demais em seu Twitter @julhama.
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